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quinta-feira, agosto 02, 2012


A Lei dos compromissos e os orçamentos municipais 
(publicado nas edições de 27.Abril.2012 e de 4.Maio.2012 do semanário “O Figueirense”)


É bem conhecida a baixíssima qualidade da legislação portuguesa, tanto quanto ao seu conteúdo, como quanto, sobretudo, à forma como é redigida e dada a conhecer aos cidadãos.
Penso que poucos conseguirão resistir a dar uma boa gargalhada ao ler em Diário da República textos legislativos tão labirínticos, deliciosos e divertidos, como o que, por exemplo, começa assim.

“Artigo 1.º

Objeto
A presente lei procede à décima nona alteração ao Decreto -Lei n.º 15/93, de 22
de janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de
estupefacientes e substâncias psicotrópicas, alterado pelo Decreto-Lei n.º 81/95,
de 22 de abril, pela Lei n.º 45/96, de 3 de setembro, pelo Decreto -Lei n.º 214/2000,
de 2 de setembro, pela Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, pelo Decreto –Lei n.º
69/2001, de 24 de fevereiro, pelas Leis n.os 101/2001, de 25 de agosto, e 104/2001,
de 25 de agosto, pelo Decreto –Lei n.º 323/2001, de 17 de dezembro, pelas Leis n.os
3/2003, de 15 de janeiro, 47/2003, de 22 de agosto, 11/2004, de 27 de março,
17/2004, de 11 de maio, 14/2005, de 26 de janeiro 48/2007, de 29 de agosto,
59/2007, de 4 de setembro,18/2009, de 11 de maio, e 38/2009, de 20 de julho, e pelo
Decreto -Lei n.º 114/2011, de 30 de novembro.
Em geral, a legislação portuguesa apresenta-se na forma de um intrincado labirinto, sendo frequentemente exasperante interpretá-la e circular por entre os seus rendilhados escaninhos de complicadas e pindéricas tiradas de literatura. Justo será suspeitar que ela é feita e redigida assim, por jurisconsultos ilustres, para que depois esses mesmos jurisconsultos, ou colegas da mesma corporação profissional, possam ser contratados ou consultados para interpretar a legislação que com tanta habilidade redigiram.
E não será muito de espantar que assim suceda. Porque, sendo a preparação das Leis, teórica e constitucionalmente, da competência do Parlamento Português, neste tomam assento muitos deputados cujos conhecimentos da língua portuguesa deixam muito a desejar. Sobretudo os deputados que a tal função chegaram através de uma bem sucedida “carreira jota”, com turbo-licenciaturas arrancadas em certas universidades privadas, e que por vezes não sabem distinguir “há”, o tempo verbal, do “à”, contracção entre preposição e artigo; e que escrevem “à” quando devia ser “há”, ou vice versa…
A Lei nº 8/2012 é designada por Lei dos Compromissos, e pretende estabelecer regras aplicáveis à assunção de compromissos e aos pagamentos em atraso das entidades públicas.
Para entender a quem se aplica a dita Lei, é necessário ler várias vezes o seu artigo 2º, mesmo por quem, como eu, tenha a presunção de não estar num grau muito baixo de iliteracia. Depois de conjugar a sua leitura com mais uns outros artigos de umas quantas Leis, lá pude concluir, salvo melhor opinião, que ela se aplica às autarquias locais, consideradas como “entidades” para efeito de interpretação de alguns dos seus artigos e alíneas.
A Lei nº 8/2011 irá ainda ser regulamentada. Mas o que nela está estipulado, já dá para suspeitar que vai redundar numa interminável confusão normativa e interpretativa, indo fazer em água as cabeças dos muitos dirigentes que, como os autarcas, vão ter que dar cumprimento a alguns dos seus preceitos, de tal forma são confusas as redacções destes.
Cada tomada de decisão, na gestão do dia a dia, vai ter de passar a ser precedida de complicadas contas, consultas, comparações, análises, pareceres, autorizações, e tutti quanti, para se calcular se há ou não conformidade entre os “fundos disponíveis” e a “assunção de compromissos”. Vai ser bonito.
Mas não há razões para desesperar. Nem tudo será mau. Os advogados, os consultores, e muitos conhecidos escritórios de juristas, vão ter muito que fazer, e muitos honorários a apresentar.
O disposto na Lei dos Compromissos, não é nada mais, afinal, que uma nova e mais difícil regra de aplicação da elementar regra da cabimentação. Só que esta se refere à obrigatoriedade de haver prévias análises de conformidade entre os montantes das concretas despesas decididas, e as estimativas feitas numa base anual (ou seja, no Orçamento ordinário anual). Enquanto que aquelas novas regras da confusa Lei vão obrigar a difíceis análises prévias das conformidade entre as decisões dos “compromissos” assumidos, por um lado, e os montantes de fundos disponíveis calculados num curto prazo, nada mais de 3 meses. As novas regras obrigam e responsabilizam, de forma ameaçadora, não apenas titulares de cargos políticos (os autarcas…), gestores e responsáveis pela contabilidade, como igualmente, (pasme-se!...) “os agentes económicos que procedam ao fornecimento de bens ou serviços sem que o documento de compromisso possua (…) o correspondente número (…) válido e sequencial (…) “
Eu compreendo as razões que levaram o Governo e o Ministro das Finanças a imporem este tipo de legislação. Elas têm a ver com as dificuldades que sentem em controlarem e conterem a irresponsável incontinência despesista de muitos autarcas e muitas autarquias. Mas creio que a emenda será bem pior que o soneto, podendo conduzir a uma grave paralisia da governação autárquica. Ou então, não se cumpre a Lei, como também costuma acontecer, com frequência.
A indisciplina reinante e a situação a que se chegou nas autarquias, no seu conjunto, acumulando calotes (não a entidades bancárias…) de muitos milhares de milhões de euros, não é causada por quebra da regra da cabimentação, que em geral é formalmente cumprida. Só que de nada serve cumprir essa regra da cabimentação, quando os orçamentos municipais, relativamente aos quais o prévio cabimento é  confirmado, são sobre estimados e empolados do lado das receitas, em previsões delirantemente insensatas.  Como tem acontecido e ainda acontece por parte de muitas Câmaras Municipais, designadamente na Figueira da Foz.
Claro que com um Orçamento com receitas daquele tipo e escala, haverá quase sempre cabimento para uma despesa que se pretenda autorizar. E quando não haja dotação disponível, especificamente nesta ou naquela rubrica da despesa, a solução é fácil : faz-se uma alteração orçamental, e logo se arranja cabimento.
Há tempos, já opinei que há um nexo causal entre os sistemáticos baixos índices de execução dos orçamentos municipais e o elevado nível de endividamento dos municípios. Estendo agora esse nexo causal à apresentação da dita Lei dos compromissos.

segunda-feira, julho 16, 2012


Rectificação e direito ao exercício da crítica política
(publicado no semanário “O Figueirense”, na sua edição de 2.Março.2012)

Para pedir a publicação desta crónica, não vou invocar a Lei de Imprensa, com um extensivo rol dos seus artigos. Enquanto cidadão interessado, pretendo apenas exercer o meu legítimo direito à crítica política, existente num regime democrático. Tal como o fiz quando escrevi o artigo de opinião com o título “Malefícios das baixas taxas de execução orçamental”, que provocou uma resposta irritada do Sr. Presidente da Câmara da Figueira, publicada na edição de “O Figueirense” de 24 de Fevereiro último.
Era o que mais faltava, agora, que não pudesse exercer esse meu legítimo direito, por temer a ameaça de ser considerado como pondo em causa “o bom nome da autarquia e dos seus representantes”. Por este andar, um dia destes, comentador ou simples cidadão que publicamente acusasse o Governo de estar a governar mal, a preparar maus orçamentos e a faltar ao cumprimento da Lei ou da Constituição, arriscava-se a que tal fosse considerado como atentando contra o bom nome da República e dos governantes, e a levar com um processo judicial em cima dele. Se bem me recordo, era assim antes do 25 de Abril de 1974.
Cumpre-me desde logo fazer uma rectificação e um pedido de desculpa, por um lapso que terei eventualmente cometido, embora considere haver atenuantes para o mesmo.
De resto, meramente circunscrito a uma pequena nota de rodapé, e só lateralmente tendo a ver com a substância da crítica.
Posso objectivamente confirmar que, pelo menos desde o dia de hoje (24 de Fevereiro de 2012), o Orçamento Municipal para 2012 consta do sítio da autarquia. Admito, sem reservas, que aí se encontre desde o dia 1/02/2012, como esclarece o Sr. Presidente da Câmara. Acontece porém que na página aberta seguindo os links figueiradigital.com/cmff/finanças municipais/documentos financeiros , e nela fazendo “scroll down”, surgem de facto links para os documentos previsionais de 2007 a 2011; mas não o de 2012, como seria de esperar e natural que também surgisse.
Este aparece, isso sim, meio escondido, no cantinho superior direito da mesma página. Se lá estava desde o passado dia 1 de Fevereiro, passou-me despercebido e da compreensível falta de atenção, cumpre-me apresentar as minhas desculpas. Sobre este meu lapso, creio que bastaria um singelo esclarecimento por parte dos serviços camarários, sem autoritária e descabida invocação da Lei de Imprensa.
Passo agora à parte mais substantiva da minha crónica, e que aparentemente mais terá indignado o Sr. Presidente da Câmara.
Com ela tive sobretudo em vista opinar sobre a existência de algum  nexo causal entre a reiterada prática de sobre estimar irrealisticamente a receita orçamental , com a consequente e recorrente verificação de graus de execução orçamental ridiculamente baixos, por um lado, e a acumulação de dívida a fornecedores e empreiteiros, por outro.
Não me referi à existência de desrespeito da letra da Lei nas estimativas dos orçamentos camarários. Referi-me, isso sim, ao facto da sobre estimativa delirante das receitas estar ao arrepio daquilo que se costuma designar por boas práticas na preparação de qualquer documento previsional, em obediência a princípios de prudência, realismo e bom senso. Tratou-se de um juízo político, num contexto de avaliação e debate políticos que a democracia permite. Tomá-lo como comportando ofensa ao bom nome da autarquia e dos seus representantes…meu Deus…é atitude que me dispenso de classificar.
De resto, a crítica era também extensiva aos executivos camarários anteriores. Como assinalei, a estimativa da receita global para 2012, é a mais baixa e a menos irrealista dos últimos13 anos. Mas nem por isso merecedora de aplauso, por estar ainda longe do que mandariam a prudência e o bom senso.
Onde maior falta de realismo se tem observado, não é na estimativa da receita corrente, mas sim na de capital, sobretudo na rubrica agregada de “Vendas de bens de investimento”. No Orçamento para 2010, a previsão desta receita foi de 26,79 milhões de Euros (ME). Cobrou-se um montante residual de 0,26 ME. Para 2011, foram previstos 22,92 ME. Iremos saber dentro de pouco tempo, espero, quanto efectivamente foi cobrado nesta rubrica. Claro que o baixo nível realizado se deve também, em parte, à actual grave situação da conjuntura económica. Mas é justamente com esta que se tem de contar quando se fazem previsões e se preparam instrumentos de gestão destinados a, durante o ano, orientar as opções de fazer esta ou aquela encomenda, esta ou aquela transferência, esta ou aquela adjudicação.
Acaso se imagina o Estado português a preparar orçamentos resultando em graus de execução da ordem dos 40 a 50%? Seria o descrédito completo da República, porventura alvo de galhofa generalizada pelos nossos parceiros europeus. Já teríamos sido expulsos do Euro há muito tempo.
O Sr. Presidente da Câmara acredita que em 2012 irá arrecadar um total de receita de 51,6 ME, para poder despender outro tanto. Iremos ver. Para 2010, a previsão foi de 68,08 ME, mas só 31,8 ME foram arrecadados. Para 2011, tinha fé de que iria ter uma receita total de 70,3 ME. Já deve estar apurado o montante cobrado. Seria útil divulgá-lo. Lá para Abril se saberá quanto foi. Voltarei então ao tema.

Uma nova nota de rodapé…
Tenho uma dúvida para esclarecer. A Camara Municipal, está também a cumprir a Lei, no tocante à divulgação, no seu site, das actas das reuniões camarárias ? Tanto quanto posso verificar, dele não consta qualquer acta, desde 29/Março/2011 até 13/Setº/2011, bem como desde 4/Outº/2011 até final do ano. Estão arrumadinhas noutro local, ou não houve reuniões camarárias naqueles períodos?


MALEFÍCIOS  DAS  BAIXAS  TAXAS  DE  EXECUÇÃO ORÇAMENTAL
(publicado no semanário “O Figueirense” de 17.Fevº.2012)

O montante global do Orçamento Municipal da Figueira da Foz para 2012 é de 51,2 milhões de Euros (ME). É o mais baixo dos últimos 14 anos. Melhor dizendo, é o menos irrealista e o de menor delírio ficcionista desde 1999. Ainda assim, mantem uma elevada escala de ficção quanto à receita que se prevê cobrar (quer corrente, quer sobretudo de capital e total), que é uma vez mais largamente sobre- estimada. Desta vez, menos que nos anos anteriores, é certo; mas ainda assim muito longe de prestar razoável obediência à boa prática de preparar previsões orçamentais realistas, sensatas, equilibradas, sem excluir uma prudente dose de coeficiente de ambição. Mas que deverá sempre ter em conta a envolvente económica externa ao município.
Não tendo sido ainda divulgado o valor da receita cobrada na execução orçamental de 2011, aquela previsão de 51,2 ME pode e deve ser comparada com as receitas realmente cobradas nos exercícios de 2009 e 2010 (despidas das cobranças realizadas através de empréstimos bancários), e que foram de 34,6 ME e de 30,5 ME, respectivamente.
Um espírito com um mínimo de sensatez interrogar-se-á como será isto possível.
Num ano em que o Estado estaria em pre-falência, não fora o dinheiro emprestado por via da chamada troika, de gravíssima crise financeira, e de enorme retracção da economia real, quem poderá acreditar que o Município da Figueira irá cobrar uma receita 57 % superior à média dos anos de 2009 e 2010 ? Um tal milagre económico, a ter lugar, mereceria ser considerado como um autêntico “caso de estudo”, porventura candidato a
um prémio Nobel da Economia.
Ao longo dos últimos anos, a prática reiterada de preparar orçamentos como meros exercícios de faz de conta, delirantes, sem adesão à crua realidade, foi largamente responsável pelo descontrolado crescimento da dívida municipal, até ser atingida a sua actual monstruosa escala. Na última década, a taxa média de execução do orçamento municipal da Figueira situou-se em 56,4 %, variando entre um mínimo de 46,7% em 2010 (de resto já da inteira responsabilidade do actual executivo camarário) e um máximo de 78,1 % em 2002.
Um orçamento, seja de uma família, de uma empresa, de um município, ou de um estado, é um instrumento disciplinador dos compromissos e das aquisições que ao longo do exercício se podem ir realizando. Deixando de ser considerado como tal, a gestão e a execução financeira do dia a dia passa a fazer-se sem a existência de uma carta de navegação credível.
Daí até serem assumidos compromissos de despesas futuras (que obviamente têm cabimento orçamental pois a receita foi sobre -estimada), mas que mais tarde a tesouraria não consegue acompanhar, vai um pequeno passo. A solução adoptada para colmatar essa carência de tesouraria, vai passar necessariamente  por adiar os pagamentos, contrair calotes aos fornecedores e empreiteiros, e ir acumulando dívida.
É verdade que tal prática tem sido generalizadamente observada num elevado número de municípios portugueses. O que não serve de consolo, pois como soe dizer-se, com o mal dos outros podemos nós bem.
Para o exercício de 2010, taxas de execução orçamental bem piores que a da Figueira foram, por exemplo, a de Aveiro (36,2%) e a de Porto Santo (36,1%). Valores tão aberrantes que quase se diriam do foro psiquiátrico. Não será por mero acaso que, no final daquele ano, o Município de Aveiro tivesse uma dívida a curto prazo de 64,1 ME (2,5 vezes superior à da Figueira); ou que o Município de Porto Santo tivesse um prazo médio de pagamento a fornecedores de 1228 dias!...
Em matéria de taxa de execução-cumprimento do orçamento em 2010, desempenhos muito melhores que o do Município da Figueira, foram por exemplo o de Viana do Castelo (70,5%), o de Viseu (79,3%),ou de Cantanhede (72,4%). As dívidas a fornecedores destas três autarquias eram, no final do mesmo ano, de 9,9 ME, 5,9 ME e 6,9 ME, respectivamente. Montantes face aos quais a dívida a fornecedores do Município da Figueira,  à mesma data (25,7 ME) compara de forma nada lisonjeira.
Também não será por acaso que o Município de Pombal, com uma taxa de execução de 84,3%, tivesse uma dívida de apenas 3,3 ME; ou que o de Almada, com uma taxa de 95,4 % tivesse uma dívida de 3,2 ME, praticamente  irrisória se tivermos em conta a sua dimensão populacional e a sua capacidade de realização de receitas próprias.


Nota
A Lei determina que os documentos de gestão financeira dos municípios têm de estar disponíveis nos respectivos sítios da Internet.
O orçamento municipal da Figueira para 2012 foi aprovado há cerca de mês e meio.
A Câmara da Figueira ainda não o colocou no seu site. A Câmara da Figueira não está por isso a cumprir a Lei. É feio.

domingo, julho 15, 2012


Bons exemplos de transparência na vida política
(publicado no semanário “O Figueirense” de 10.Fevereiro.2012)


Com uns quantos cliques, através do rato do meu computador, navegando por alguns sites
parlamentares, pude tomar conhecimento de uma série de exemplos de boas práticas de transparência da vida política.
Não será demais insistir quanto tal transparência é necessária (embora não suficiente…) para credibilizar a via política, e para deter a preocupante queda do prestígio dos governantes, da actividade parlamentar e até do próprio regime democrático.
Vejamos então uma meia dúzia desses bons exemplos de que tomei conhecimento.
Na declaração de bens e rendimentos do actual Chefe de Governo, pode ler-se que teve no ano passado um total de remunerações líquidas de 98225 euros, tendo pago 87651 euros de IRS.É proprietário, por exemplo, de um apartamento em Pontevedra, um outro em Madrid, e ainda outro nas Canárias. Tem 313780 euros aplicados em fundos de investimento, e 143182 euros em acções cotadas em bolsa.
Por sua vez, o líder do Partido Socialista, na oposição, pagou 23826 de IRS, é proprietário de meio apartamento, com 135 metros quadrados e um valor cadastral de 215225 euros, e tem 397653 euros aplicados em fundos de investimento.
O Presidente do Parlamento tinha no final do ano passado no seu património, duas vivendas em Soria, uma quinta em Cidade Real e 193678 euros investidos em fundos de pensões.
Sobre um anterior Primeiro-Ministro, pude saber, de entre muitas outras coisas, que participou numa conferência internacional em Pequim, para onde viajou com o patrocínio de um instituto chinês, tendo este pago a estadia e a viagem, num valor global correspondente a 13400 euros.
Também encontrei casos curiosos. Como o de um membro do Parlamento que refere na sua declaração ter cobrado um total de 7033 euros pela sua participação em sete debates numa estação de televisão. Ou outro, ainda mais curioso, de um deputado que faz questão de fazer constar na listagem de prendas oferecidas por uma empresa privada, a de dois bilhetes para as finais de um grande torneio de ténis, no valor total de 1200 euros.
O Chefe de Governo, o líder do Partido Socialista, e o Presidente do Parlamento a que acima me refiro, não são da República Portuguesa, não senhor. São, isso sim, da muito vizinha Espanha.
O deputado que não se esqueceu de referir a oferta dos dois bilhetes para as finais de ténis de Winbledon, é da Câmara dos Comuns, e não da Assembleia da República.
A visita a Pequim que custou 13400 euros, foi a de um ex-Primeiro Ministro de sua Majestade britânica. A estação de televisão onde um membro do Parlamento, de resto britânico e não português, participou em sete debates foi a BBC e não a SIC Notícias, pela qual, por exemplo, os deputados João Semedo e Luís Fazenda (Bloco de Esquerda)  e Telmo Correia (do CDS-PP) dizem ser remunerados, todavia não declarando por quanto. O deputado José Lello também costuma ser comentador numa outra televisão concorrente, mas esse nem se dá ao trabalho de lhe fazer uma simples menção na sua declaração de interesses.
Comparem-se agora aquelas boas práticas, a que almas mais sensíveis e mais receosas da transparência poderão classificar de horrível voyerismo, vigentes em Espanha e na
Grã-Bretanha, permitindo um escrutínio mais rigoroso por parte dos cidadãos, com as adoptadas em Portugal.
Por cá, as informações sobre rendimentos, patrimónios e registos de interesses constantes das páginas dos deputados são vagas, pouco menos que irrelevantes e anódinas. Se o portuga cidadão quiser saber mais, e exercer o seu dever-direito ao escrutínio dos actores da vida política, terá de ter a pachorra de se deslocar ao Tribunal Constitucional, em Lisboa, fazer um requerimento, declarar porque razões tem interesse na consulta, demonstrar as razões e contextos da pesquisa, aguardar um tempo, pedir respeitosamente deferimento, tomar umas notas escritas por punho próprio.
Para melhor se compreender a escala da referida comparação, valerá a pena navegar um pouco pelos sites da Assembleia da República (parlamento.pt), do Congreso de Deputados (congresso.es) e da Câmara dos Comuns (parliament.uk). E tirem-se depois as devidas conclusões.

sexta-feira, junho 08, 2012


A  MUTUALIZAÇÃO  DA   DÍVIDA  MUNICIPAL

Por ilustres personalidades da via política portuguesa, têm sido formuladas diversas  sugestões para solucionar os graves problemas económico-financeiros que actualmente atormentam a zona do Euro da União Europeia em geral, e sobretudo de Portugal em particular.
Uma das mais patuscas veio de Mário Soares: a solução passaria por colocar o Banco Central Europeu (BCE) a emitir mais moeda. Seria apenas necessário aumentar a velocidade da rotativa. Muito simples, como se vê.
Outras têm vindo de António José Seguro. Com aquele seu conhecido ar cândido, tenho-o ouvido repetir verdadeiras “lapalissadas” sobre o tema, com muita retórica, mas de vazio conteúdo.
É por exemplo o caso da “eu defendo o crescimento económico”. Coisa  que qualquer pessoa defenderá, obviamente, se tiver um mínimo de sanidade mental. Semelhante douto e charmoso truísmo seria proclamar que “defendo que não deverá haver fuga aos impostos” ou “defendo que todas as pessoas se devem portar bem e ser muito boazinhas”.
Uma das soluções que o ouvi propor foi a chamada “mutualização” da dívida soberana portuguesa, no âmbito da zona Euro da União Europeia. O que mais não seria que a emissão das muito faladas euro-obrigações, nesta fase em que a integração monetária não foi nem está acompanhada por uma indispensável e prévia federalização política.
Ora isto deu-me uma ideia para resolver o problema da enorme dívida do Município da Figueira da Foz. Ela neste momento ascende a cerca de 90 milhões de euros, como é bem conhecido. Aqui ao lado, o Município de Pombal tinha, no final de 2010, uma dívida de apenas 11 milhões de Euros. Porque não propor, ao Município vizinho, a constituição de uma Associação de Municípios com o da Figueira da Foz? Depois daquela  Associação constituída, e no seu âmbito, poderia então fazer-se a “mutualização” da dívida do Município da Figueira. Que é como quem diz : a dívida que antes era só da Figueira e dos figueirenses, passava a ser da dita Associação, ou seja do conjunto de todos os munícipes da Figueira e de Pombal. Uma solução muito fácil e financeiramente muito engenhosa, convenhamos.
Só haverá agora de ir ali ao lado a Pombal e convencer os pombalenses da sua bondade. Da solução, e também dos pombalenses, já se vê.
Tenho porém um justificado receio. É de que eles possam reagir negativamente à proposta de forma muito descabelada e desabrida, utilizando expressões e palavrões impróprios, que aqui não me atrevo a reproduzir, por mera questão de boa educação.

(Publicado em "O Figueirense" de 30.Dezembro.2011)

sexta-feira, maio 11, 2012

OS  EUROBONDS  E  O  TRATADO DA FIGUEIRA

(publicado no semanário "O Figueirense" de 18.Novembro.2011)

Muito sapientes comentadores e figuras públicas têm perorado ultimamente sobre a grave crise por que passam o espaço Euro e a União Europeia.
Com frequência, apontam como causas a inexistência de um governo económico da União Europeia, e o facto da união monetária não ter sido complementada por uma união política.
Trocado por miúdos, tais cautelosas e timoratas explicações, correspondem a afirmar que a solução passa pela construção de um verdadeiro espaço federal.
Cá por mim, prefiro propor e discutir coisas e soluções concretas, mesmo correndo o risco destas serem consideradas como tontas, renunciantes da chamada “soberania” nacional, ou simplesmente politicamente incorrectas.
E por isso aqui deixo esta minha contributiva sugestão. A de que o Primeiro-Ministro de Portugal, em próxima reunião com a Chancelarina Merkel e o Presidente Sarkozy, lhes apresente uma proposta concreta para um tratado, com base no documento seguinte, que é um mero e tosco borrão, a aperfeiçoar por distintos mestres de direito.
O tratado poderia ficar conhecido por Tratado da Figueira. Era bonito, convenhamos…



Tratado Prévio para a Constituição da Federal European Union (FEU)

(União Federal Europeia)

A República Portuguesa, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Federal da Alemanha, o Reino da Holanda, o Reino da Bélgica e o Grão-Ducado do Luxemburgo, Estados Nacionais do Continente Europeu, acordam entre si a constituição da Federal European Union (FEU), cujas linhas gerais de governação política serão as seguintes:



1 . A FEU é um Estado Federal constituído pelos acima referidos Estados Nacionais.
2 . A FEU ficará sendo um dos estados constituintes da União Europeia, substituindo-se
     aos   Estados Nacionais, no  cumprimento dos direitos e obrigações destes, decorrentes
     do Tratado de Lisboa.

3 . Os órgãos de soberania da FEU são :
a)    O Presidente da FEU
b)    A Câmara de Deputados  
c)    O Senado Federal
d)    O Governo Federal da FEU
e)    O Supremo Tribunal da FEU

     Nota : O conjunto da Câmara de Representantes e Senado designa-se por Parlamento

4 . A Câmara de Deputados é eleita por sufrágio directo e universal dos cidadãos
maiores de 18 anos, através de listas de candidatos apresentados por partidos de âmbito
federal. Cada legislatura dura 4 anos.

5. A cada Estado Nacional corresponde um círculo eleitoral federal, cabendo-lhe eleger um
número de deputados federais, igual ao respectivo número de milhões de habitantes,
arredondado à unidade imediatamente inferior.

6. Se um Estado Nacional tiver menos que 1 milhão de habitantes, terá direito a um deputado.

7. O Senado é constituído por Senadores eleitos pelos respectivos Parlamentos nacionais,
segundo regras que cabe a cada Estado Nacional estabelecer na respectiva Constituição
Nacional.

8. A cada Estado Nacional cabe eleger 3 senadores.

9. O Presidente da FEU é eleito pelo Congresso, para um mandato de 5 anos, de entre
candidatos apresentados por um  mínimo de 3 Estados Nacionais.

10.O Governo Federal, chefiado por um Presidente do Conselho de Ministros é politicamente responsável perante a Câmara de Deputados e o Senado.

11. O Governo Federal comporta os seguintes ministérios de âmbito federal :
      a) Negócios Estrangeiros
      b) Defesa
      c) Finanças
      d) Economia
      e) Segurança Interna
      f)  Ambiente
áreas de governação cujas concepção, legislação e condução  são da exclusiva
competência e responsabilidade da FEU e dos seus órgãos de soberania federais.

12. O Governo Federal só entrará em funções efectivas depois de voto favorável da Câmara
de Deputados.

13. O Governo Federal em funções só poderá ser demitido, antes de terminada a legislatura,
através de votos de censura aprovados, conjuntamente, pela Câmara dos Deputados e
pelo Senado Federal

14. O inglês é a língua comum usada na governação de âmbito federal.

15. A FEU dispõe de forças armadas federais, sob exclusivo comando de um Estado Maior e
de um Ministro da Defesa de âmbito federal. Os Estados nacionais não possuem forças
armadas nacionais.

16. Existe um único corpo diplomático representante da FEU junto dos restantes Estados
da comunidade internacional. Os Estados nacionais deixam de possuir Embaixadas
próprias.

17. Cada Estado nacional é representado, junto da capital de cada um dos outros estados
nacionais da FEU, por uma  “Casa de …… “ ( exemplo Casa de Portugal na Alemanha),
podendo criar delegações junto de outras cidades.

18. São da competência de cada Estado nacional a concepção, legislação e condução
das seguintes áreas de governação :
      - Justiça e sistema judicial
      - Educação e sistema educativo
      - Saúde e Sistema Nacional de Saúde
      - Ordenamento do território
      - Comunicações e transportes

19. O controle de fronteiras da FEU, a concessão de vistos, a investigação de crimes de
terrorismo e de imigração ilegal, são da competência exclusiva de uma Polícia Federal,
(PFE – policia federal europeia) com comando único de âmbito federal, e sob tutela do
Ministro da Segurança Interna do Estado Federal

20. O Sistema de Receita Fiscal da FEU desdobra-se em Sistema de Receitas Federais
e Sistemas de Receitas Nacionais.

21. No sistema fiscal federal, constituem receitas os seguintes impostos a cobrar
para o Orçamento Federal:
- o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares da FEU;
- o imposto sobre o valor acrescentado.

22. O regime fiscal destes dois impostos será comum a todos os Estados Nacionais,
em todos os aspectos, tais como taxas percentuais, modelos de deduções e bonificações.

23. Não existe na FEU imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC).

24. É da competência de cada Estado Nacional, definir o respectivo sistema fiscal,
segundo fixado na sua Constituição Nacional.

25. Constituem receitas de cada Estado Nacional as transferências provenientes dos
Orçamentos anuais da FEU, e as que forem cobradas através do respectivo sistema fiscal
Nacional.

26. A receita orçamental federal, constituída segundo a alínea 21 anterior, será distribuída e
transferida para os Estados Nacionais, da forma seguinte:
        a) 10% é dividida pelo número de estados nacionais;
        b) 50% é distribuída pelos Estados nacionais de forma proporcional ao respectivo PIB;
        c) 20% é distribuída de forma proporcional à população de cada Estado nacional;
        d) 20% é distribuída segundo uma fórmula visando cumprir o princípio de coesão social

         entre os Estados membros da FEU, a estabelecer por deliberação conjunta da
           Câmara de Deputados e do Senado federais.



27. A adesão à FEU de cada estado signatário e fundador, terá de ser aprovada em referendo nacional, vinculativo qualquer que seja a percentagem de votantes.
Quem quer entrar, entra; quem não quer fica de fora.

28. Os primeiros dois referendos a realizar, no mesmo dia, serão na República Federal Alemã e em França.. Se num deles o resultado for um “não”, o projecto da FEU acaba ali mesmo. O Tratado da Figueira “morre na praia”. O que sucederia a seguir poderia ser algo de trágico. Para Portugal, para a Eurolândia, para a União Europeia, para toda a Europa,
enfim.

29. Um Estado nacional membro da União Europeia, poderá aderir no futuro à FEU, desde   que tal decisão seja aprovada por referendo nacional realizado nos termos adoptados pelos
estados fundadores. Quem quiser entrar, entra; quem não quiser fica de fora.

30. É condição necessária para um Estado do continente europeu pedir a adesão à FEU ter
sido membro da União Europeia durante pelo menos 10 anos.

31. A moeda da FEU é o Euro. O banco emissor é o BCE, com estatuto semelhante à
Reserva Federal dos Estados Unidos

32. Por fim, restará acrescentar um detalhe, last but not the least : os estados nacionais não
poderão emitir obrigações de dívida pública. Só o poderá fazer a Federal European
Union (FEU),  então sim, através de “Eurobonds”.

quarta-feira, abril 11, 2012

O aproveitamento do areal da Figueira
… uma visão e um programa para 50 anos, a começar desde já!...

( Publicado no semanário “O Figueirense” de 21.Outubro.2011)


Que me lembre, vai para mais de trinta anos que, de vez em quando, vem à baila o que fazer

ao areal da praia. Ao tempo, usava-se o termo “aproveitamento”, mais prosaico, porém mais apropriado do que as modernices das designações de “requalificação” ou “ordenamento”.
Em 1981, a equipa do Arqº Alberto Pessoa, com quem a Câmara Municipal mantinha uma permanente e frutuosa avença de assistência, elaborou um primeiro estudo. Mais não era do que um sintético documento orientador geral de futuras acções, apresentado na forma de duas a três plantas cobrindo todo o espaço, então menos extenso do que o actual. Por isso se designava pelo também singelo nome de “Programa-base”. Chegou a merecer apreciação em Assembleia Municipal, mas depois veio a “morrer na praia”.
Oito anos depois, foi a vez da Sociedade Figueira Praia encomendar um plano à equipa dos arquitectos Pereira da Silva e Alberto Pessoa-filho. Ignoro qual foi o destino da encomenda ou do plano que porventura haja sido elaborado.
Decorreram mais três a quatro anos e, por iniciativa da Câmara Municipal de então, surgiu um “plano geral do areal da praia”, desta feita da autoria do GITAP, que penso que seria um gabinete de consultores e especialistas.
Logo nos primeiros meses do seu glorioso mandato, Santana Lopes decidiu-se pela implantação do conhecido Oásis, junto à Ponte do Galante. Na sua versão inicial, o projecto previa árvores, esplanadas, palcos, campos desportivos, um lago de água doce. Incluía

também um mirabolante circuito de um pequeno comboio (imagino que sobre carris…) que ia
pela parte poente do areal, desde o “parque das gaivotas” até junto ao prédio J. Pimenta, em Buarcos, voltando para sul junto ao paredão da marginal.
Reconheço ter então achado o Oásis uma boa ideia. Todavia, encarei-o sobretudo como uma espécie de protótipo ou de amostra do que deveria e poderia ser feito, gradualmente e em sistemático esforço, em todo o areal. Não seria bem essa a ideia de Santana Lopes, mais
interessado em rapidamente exibir obra, ainda que efémera, que tivesse efeitos mais imediatos na sua imagem de autarca, já com vista a outros mais altos voos.
Por isso, as palmeiras com que decorou o Oásis foram para lá transplantadas muito crescidas. Hoje encontram-se esqueléticas e moribundas, em evidente contraste com as que se levantam, bem sólidas, na marginal de Buarcos. Estas cresceram a partir de pequenas e juvenis

palmeiras de viveiro, com um a dois palmos de altura, ali plantadas no início dos anos oitenta.

A CMFF lançou agora um concurso de ideias, a que chama “concurso público de concepção”, destinadas a orientar uma solução urbanística para o vastíssimo areal da Figueira, a que

chama“ requalificação”. Vem acompanhado por uma vasta lista de requisitos quanto às “tipologias de intervenção”, sob a forma de belos e sugestivos termos do jargão da arte.
Costuma ser assim. Quando alguém está falido e sem dinheiro ( por parte deste ter sido ou estar a ser desviado para alimentar os cantos das cigarras…) e não pode, por isso, fazer obra concreta e tangível, faz planos. E encomenda estudos que, obviamente, também custam
dinheiro. Enquanto vai também, entretanto, descerrando estátuas, realizando homenagens, celebrando datas e depondo ramos de flores.

Lendo e ouvindo algumas declarações, revelações e promessas dos responsáveis da Câmara Municipal da Figueira sobre novas e grandiosas obras, tal como a prometida “requalificação e reordenamento” dos espaços da marginal oceânica, ou de uma espectacular ciclovia do Mondego, fica-me a impressão de que esses responsáveis políticos ainda não adquiriram perfeita consciência do cenário financeiro aterrador por que, nos próximos anos, vão passar as autarquias locais, nem o calvário de sacrifícios que nos espera, a todos nós, figueirenses e portugueses. Parecem continuar distraídos, convencidos de que a crise se ultrapassa dentro de um par de anos; prazo findo o qual, pensam, voltarão a jorrar fundos e mundos da cornucópia com que até há pouco pensaram poder alimentar os seus devaneios e a sua crença de vivermos num país rico.

Não vai ser assim. Iremos passar, por muitos anos de carências, de limites neste momento ainda não imagináveis. A procissão da crise financeira, económica e social, vai ainda no adro. Nos tempos de emergência social que aí vêem, o “planeamento estratégico “ do Município deverá ter em vista, fundamentalmente, este importante objectivo: aguentar e sobreviver.

Daquele “concurso público de concepção”, palpita-me que irão surgir umas quantas propostas mais ou menos mirabolantes, descritas em espessos relatórios com muitas bolinhas, setinhas, diagnósticos, linhas de força, avaliações sociológicas, enquadramentos histórico-paisagísticos

e outros termos do jargão da arte do “planeamento estratégico”. Do trabalho de imaginosos e criativos arquitectos (muitos deles porventura sonhando com um prémio Pritzker…) e de perspicazes especialistas de planeamento, tudo espremido, ficarão umas duas dúzias de plantas e alçados, bem como um grande número de espectaculares desenhos e de sedutoras imagens virtuais elaboradas por modernas aplicações informáticas, sugerindo e descrevendo
a distribuição, pelo inóspito areal da praia, de variados equipamentos e inúmeras estruturas.

Por falta de dinheiro, esse tão importante e escasso bem, uma hipotética concretização desses projectos, se alguma viabilidade tiverem, fica adiada para longínquas calendas.

Entretanto, todo aquele material gráfico irá parar a uma pasta em cartão, que irá jazer algures, numa qualquer prateleira do sobrelotado arquivo municipal. E não será por um ou dois anos; mas por um ou dois lustros, pelo menos.

Tenho a opinião de que o areal não deverá nem poderá ser “aproveitado” ou, se se quiser, “requalificado”, por acção de uma intervenção planeada a régua e esquadro, através de

estudos detalhados, de vistosos projectos, ou de relatórios delirantes e prolixos de “planeamentos estratégicos”. Pelo contrário, entendo ser preferível uma estratégia de
pequenos passos dados através de modestos planos e projectos concretos e exequíveis.
Tendo os pés bem assentes na terra, e a consciência de que não haverá dinheiro para mais.

Desde logo, parece ser uma evidência consensual que se imporá estender para a Avenida 25 de Abril o perfil da Avenida do Brasil desde Buarcos até à Ponte do Galante; ou seja, com duas largas faixas de rodagem separadas por um calçadão mais ou menos com a torre do relógio no meio.
E um primeiro passo poderia ser dado.
Porque não preparar desde já o projecto desse alargamento ?. Não apenas um estudo prévio, ou um ante projecto; mas um projecto mesmo, com cotas, levantamento topográficos, cálculos de engenharia, de volumes e movimentos de aterros, de estimativas de custos, inclusive.

A missão poderia ser levada a cabo por uma equipa de técnicos dos quadros da autarquia, que os tem qualificados. Usava-se a prata da casa, ficava a custo zero, ou quase. Era talvez para meter na gaveta, por ora, a aguardar eventualmente alguma pequenina folga orçamental e algum fundo comunitário disponível. Mas ficava.

Ainda mesmo antes de definido o alinhamento do novo paredão a construir para duplicar o

perfil da Avenida 25 de Abril, era altura de se iniciar e levar a cabo, gradualmente, um processo de arborização (florestação, se for preferível o termo) de uma faixa do areal até mais a poente, por exemplo, a uns 100 metros da linha da maré viva. Nessa faixa, seriam plantadas, com plantas criadas em viveiro, espécies arbóreas e arbustos adaptáveis a solos arenosos e a condições climatéricas de vento e ar marítimo. O pinheiro bravo é uma delas, como se pode observar nas matas a norte e a sul da Figueira. No actual Oásis, além de muitos desses arbustos, pode também ver-se uma dezena de pinheiros, plantados há cerca de 7-8 anos, e já com um porte de metro a metro e meio de altura Existem, hoje em dia, técnicas de arborização/florestação assistida (com rega gota a gota, por exemplo) capazes de produzir efeitos e obra, se não a médio, pelo menos a longo prazo.

Para tal, seria necessário começar pelo desenvolvimento gradual de um coberto vegetal

(natural e não carente de rega…) que permita estabilizar as areias, e reter a água doce nas camadas superficiais do solo arenoso, por redução da sua permeabilidade. Esta redução
poderia conseguir-se misturando as camadas superficiais do solo arenoso com outros materiais inertes ou orgânicos (resíduos de jardinagem, por exemplo). As fábricas de celulose produzem resíduos não perigosos que poderiam ser usados para o efeito, tais como serradura, restos de casca de eucalipto, cinzas de caldeiras de biomassa, resíduos de cal. O seu potencial fertilizante é insignificante, mas no caso o que interessa será, repete-se, reduzir a permeabilidade do solo e reter a sua humidade. À medida que esse coberto fosse crescendo, mais água seria retida, mas espécies vegetais iriam germinar, mais coberto vegetal se desenvolveria.
Em jeito de experiência, e numa primeira fase, o esforço de criação de coberto vegetal e de arborização poderia realizar-se com a plantação de umas quantas dezenas de pinheiros, num talhão rectangular, tal como o delimitado pelas passadeiras de madeira que cruzam o areal, em frente do Grande Hotel. Poderia ser ponderada uma parceria com os Serviços Florestais.

Uma estratégia como a proposta, colocada em prática de forma realista, gradual e consistente, será porventura para produzir resultados visíveis daqui a uns 50 ou 60 anos. Tempo mais ou
menos igual ao que levo de vida na Figueira, onde cheguei, migrante do Alto-Minho, e

encontrei um areal já extenso, bem diferente da imagem que mantinha no meu imaginário
desde a minha primeira visita, ainda criança, nos idos da década de cinquenta.
A visão a longo prazo, será a da Figueira passar a ser a única cidade portuguesa com um autêntico pulmão verde entre o seu tecido urbano e a sua praia junto ao mar.

É pena eu já cá não estar, para poder disfrutar da paisagem. Porque entretanto, emigrarei para
outros paraísos.



quinta-feira, março 17, 2011

UMA PAUSA

Alguns leitores do QuintoPoder têm enviado mensagens interrogando-me porque razão nada publico desde há quase 2 meses.
Sinto dever-lhes uma explicação, a eles, em particular, e a todos os leitores, em geral.
Ao fim de mais de sete anos de escrita regular, nesta espécie de conta corrente pública das minhas reflexões, decidi, de facto, fazer uma pausa. Não sei ainda se será longa, apenas temporária, ou definitiva.
Por vezes, e subitamente, surgem momentos e circunstâncias criadoras de novas e mais importantes prioridades para a nossa vida, absorvendo o universo das nossas preocupações, e tornando difícil a manutenção de uma serenidade e de um estado de espírito indispensáveis à inspiração para escrever. É esse o caso, por agora.

quinta-feira, janeiro 27, 2011

DÍVIDAS E INSOLVÊNCAS

A escala de insolvência do Estado português costuma ser ilustrada através de rácios. Um dos mais comuns é do quociente entre a dívida pública e o PIB. Este rácio era de 76,1 % no final de 2009; está estimado em 82,1 % no final de 2010; e segundo o OGE para 2011, prevê-se que atinja 86,6 % no final do ano corrente.
Há porém outras situações de pre-insolvência que também nos devem preocupar, e podem afectar, enquanto cidadãos-munícipes da Figueira da Foz. Comparemos com a do Estado Português.
Como não é possível calcular o PIB, ao nível do concelho, encaremos outro rácio: o quociente entre a dívida (do Município da Figueira da Foz - MFF, e do Estado Português) e as respectivas receitas anuais totais. .

Com referência ao final de Novembro de 2010, teremos, relativamente ao MFF:
Dívida total : 61,2 milhões de Euros (ME), (apenas da administração local, sem considerar a das empresas municipais).
Receita total (Janeiro a Novembro, inc.) : 25,1 ME
Rácio ( divida total/ receita anual total) : 61,2 / 25,1 = 2,44

Com referência ao final de 2010, teremos, relativamente ao Estado Português (Administração Pública) :
Receita total em 2010 : 71,86 mil milhões de Euros (mME)
Dívida pública : 142 mME
Rácio (dívida total/receita anual total) : 142 / 71,86 = 1,98

Vamos então concluir.
Depois de 15 anos de governação nacional, 11 dos quais sob responsabilidade de governos do PS, estamos chegados a um rácio de 1,98; o que significa que, se tivesse de pagar, de súbito, tudo aquilo que deve, o Estado português teria de entregar, integralmente, 1,98 vezes o valor da sua receita anual cobrada.

Depois de 15 anos de governação municipal da Figueira da Foz, 12 dos quais com executivos municipais do PSD, estamos chegados a um rácio de 2,44; o que significa que, se o MFF tivesse de pagar, de súbito, tudo aquilo que deve, teria de entregar, integralmente, 2,44 vezes o valor da sua receita anual cobrada.
Através da ponderação deste rácio, poder-se-á também concluir que a situação financeira do Município da Figueira da Foz consegue ser ainda mais difícil que a do Estado Português.

No Município da Figueira da Foz têm sido feitos alguns esforços de contenção da despesa, é bem verdade. Todavia, a uma escala inferior à que tem sido anunciada pelo Governo, para 2011, ao nível do Estado Português. Era já mais que chegada a altura para se poder verificar como estava o rácio acima referido no final do ano passado. E como ele compara com os valores do mesmo rácio nos finais dos anos anteriores. Para se fazer um primeiro juízo sobre o desempenho da gestão municipal feita até agora, no plano da recuperação financeira, pelo actual executivo.

quarta-feira, janeiro 26, 2011

POLITIQUÊS PECHISBEQUE E PALAVROSO

Deu-me esta tarde para ouvir parte do debate no Plenário da Assembleia da República. Calhou-me logo ouvir uma intervenção do jovem, bem falante, promissor e muito azougado deputado Bruno Dias, do PCP.
A certa altura, falou ele em não sei quê sobre um “exemplo paradigmático”, uma expressão bem chique e sempre demonstrativa de erudição.
Paradigmático, janela de oportunidades, implementação, acessibilidades, incontornável, são palavras muito na moda, de entre outras, que pertencem actualmente ao mais retinto dialecto do politiquês pechisbeque. Além disso, no caso, palavroso.
Vai-se a um dicionário e pode ler-se o significado de “paradigma”. E lê-se : exemplo, norma.
De modo que pronunciar-se a bela expressão “um exemplo paradigmático” será o mesmo que dizer “ um exemplo exemplar” ou “uma norma normativa”. Redundantes redundâncias, ao bom estilo do Conselheiro Acácio ou do Conde d' Abranhos…

O politiquês caracteriza-se também pelo uso muito frequente de muletas de discurso. Uma das mais usadas é a da palavra “matéria”. Um ministro ou um deputado é interpelado? Responde muito frequentemente : “…sobre essa matéria, eu diria o seguinte”.
Não responde “eu digo”, de forma enxuta. Prefere usar o tempo condicional, de forma palavrosa, para introduzir uma pitada de distância dubitativa. Um ministro ou um dirigente político é interrogado por uma chusma de jornalistas, de microfone em riste, num qualquer vão de escada ou na soleira de uma porta? Depois de gaguejar um pouco, costuma terminar : “não faço mais comentários sobre essa matéria”.
Aqui há dias, também ouvi alguém importante dizer, com ar sério, que se houvesse cadernos eleitorais actualizados, a “percentualidade” ( sic…) da abstenção seria inferior…

terça-feira, janeiro 25, 2011

ELEITORES A MAIS OU POPULAÇÃO A MENOS

Os números oficiais da eleição presidencial no passado domingo, foram os seguintes:

Inscritos nos cadernos eleitorais: 9629630
Votantes no acto eleitoral: 4490046
% de votantes : 46,6 %
% de ausência/abstenção : 53,4

Bastam todavia umas continhas simples para concluir que estes números não fazem nenhum sentido nem demonstram adesão à realidade. Senão vejamos.

Segundo o censo de 2001 verificavam-se as seguintes populações :
- população total em Portugal : 10356117
- população em Portugal com idade entre 0 e 4 anos : 539491
- população em Portugal com idade entre 5 e 9 anos : 537521
- população em Portugal com idade entre 10 e 14 anos : 579590
- população em Portugal com idade entre 15 e 17 anos : 344343 (Nota)
Em termos agregados:
População em Portugal com idade entre 0 e 17 anos : 20000945 - 19,3 % do total

Com referência a Janeiro de 2011, dispomos apenas de um valor estimativo para o total da população em Portugal: 10646827 (site da PORDATA – www.pordata.com ).
Deste número haverá que deduzir a estimativa 451742 emigrantes residentes em Portugal (fonte: PORDATA), e que não têm direito a voto nas eleições presidenciais.
O saldo, seria a população residente nacional :
10646827 – 451742 = 10195085

Admitindo que a percentagem de 19,3 %, calculada para os valores do censo de 2001, é também aplicável àquele último número de 10195085, teríamos:
- População nacional com idade de 0 a 17 anos: 10195085* 0,193=1969831
- População nacional com idade superior a 17 anos / potenciais votantes:
10195085 – 1969831 = 8225254

Fazendo alguma fé na credibilidade destes valores, se o número de potenciais votantes é de aproximadamente 8,22 milhões de eleitores, como é que aparecem cerca de 9,63 milhões de cidadãos recenseados e inscritos nos cadernos eleitorais?
Que crédito se poderá então conceder à anunciada taxa de “abstenção” de 53,4%?. Com o referido valor de 8,22 milhões de “potenciais votantes”, a taxa de abstenção seria reduzida para 45,4 %.
Co’s diabos… Com tantos choques tecnológicos, modernas tecnologias e “simplexes”, e que andam disponíveis por aí, será assim uma tarefa muito ciclópica proceder a uma verdadeira actualização dos cadernos eleitorais? Ou haverá quem acredite que os mortos ainda poderão vir a votar?. Sabe-se lá…um dia! Ou haverá muitas juntas de freguesia que não dão baixa aos falecidos ou a quem deixa de nelas residir, para desse modo não verem reduzidas as transferências de verbas de que podem dispor?

Nota
Este valor é estimado. Com efeito, o censo indica apenas o valor da população entre 15 e 19 anos : 688686 . Estimei que o valor entre 15 e 17 anos seria metade daquele.


A LÓGICA MATEMÁTICA
Reproduzido acima, um cartoon de PUBLICO de hoje.
(clicar na imagem para a ampliar)


DEVIDO A OUTRAS CAUSAS...

Um amigo mostrou-me um pequeno texto, acima reproduzido, retirado do livro "Frases que fizeram a História de Portugal", da autoria de Ferreira Fernandes e João Ferreira.
Possivelmente, devem ter pensado o mesmo que Carl Israel Ruders, os suecos da Billerud, nos meados da década de sessenta do século passado, assim como os alemães da Ford-Volkswagen.
(clicar na imagem para a ampliar)

segunda-feira, janeiro 24, 2011

DITOS E ESCRITOS NO RESCALDO IMEDIATO

“O discurso de Cavaco Silva é o facto político da noite(…). Foi um discurso de vendetta.
Foi um discurso de vingança. E pior ainda, foi feito em relação a candidatos que já se calaram, que não vão responder”
(Miguel Sousa Tavares)

“ A votação em José Manuel Coelho é um pouco como a abstenção”
(Rui Rio)

“Há um debate a fazer dentro da esquerda. Há certas plataformas que não somam, diminuem”
(António Vitorino)

“Se havia eleições numa altura em que nenhum político previdente gostaria de disputar, eram estas. Um país anémico e falido, sujeito ao brusco retrocesso da sua condição económica. Um Governo que cortou salários, subiu impostos. Crise e mais crise.
Era o ambiente perfeito para a irrisão e desconfiança contra tudo e contra todos.”
(Pedro Lomba, in PUBLICO de hoje)

“Apesar de ter de assumir a responsabilidade pela derrota de Alegre, Sócrates desembaraçou-se de dois adversários : o projecto de aproximar a esquerda interna do PS e o Bloco falhou. O eixo central desta campanha foi mais uma tensão entre o Presidente e o Governo do que entre Cavaco Silva e os restantes candidatos. O primeiro-ministro conquistou margem de manobra interna para o congresso e a remodelação governativa que se adivinha”
(in Editorial do PUBLICO de hoje)

“(…)[Fernando Nobre] conquistou o eleitorado que o tom duro da campanha afastou tanto de Cavaco como de Alegre nas semanas antes da eleição. Entrou no eleitorado conservador e no eleitorado de esquerda (…) “
(in Editorial do PUBLICO de hoje)

“Decidirei mais tarde o que farei com a minha vida, ela pertence-me a mim e a mais ninguém”
(Fernando Nobre em momento de alguma exasperação, perante insistências…)

“ Afirmei que não criaria nenhum partido nem nenhum movimento estruturado de combate político e vou manter isso”
(Fernando Nobre, mais tarde…)

UMA TESE PERIGOSA

No seu discurso de vitória, o candidato vencedor, que também ainda é, e será Presidente da República, referindo-se às acusações e suspensões de que foi alvo, afirmou : “ A honra venceu a infâmia”.
É uma tese muito perigosa. Se a honra e a infâmia de um agente político pudessem ser avaliadas pelo seu sucesso ou insucesso eleitorais, então estaria mais que provado que Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro e Isaltino Morais, são pessoas de uma honradez a toda a prova.

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