segunda-feira, julho 16, 2012
Rectificação e direito ao exercício da
crítica política
(publicado no semanário “O Figueirense”,
na sua edição de 2.Março.2012)
Para
pedir a publicação desta crónica, não vou invocar a Lei de Imprensa, com um
extensivo rol dos seus artigos. Enquanto cidadão interessado, pretendo apenas
exercer o meu legítimo direito à crítica política, existente num regime
democrático. Tal como o fiz quando escrevi o artigo de opinião com o título
“Malefícios das baixas taxas de execução orçamental”, que provocou uma resposta
irritada do Sr. Presidente da Câmara da Figueira, publicada na edição de “O
Figueirense” de 24 de Fevereiro último.
Era
o que mais faltava, agora, que não pudesse exercer esse meu legítimo direito, por
temer a ameaça de ser considerado como pondo em causa “o bom nome da autarquia
e dos seus representantes”. Por este andar, um dia destes, comentador ou
simples cidadão que publicamente acusasse o Governo de estar a governar mal, a
preparar maus orçamentos e a faltar ao cumprimento da Lei ou da Constituição,
arriscava-se a que tal fosse considerado como atentando contra o bom nome da
República e dos governantes, e a levar com um processo judicial em cima dele.
Se bem me recordo, era assim antes do 25 de Abril de 1974.
Cumpre-me
desde logo fazer uma rectificação e um pedido de desculpa, por um lapso que
terei eventualmente cometido, embora considere haver atenuantes para o mesmo.
De
resto, meramente circunscrito a uma pequena nota de rodapé, e só lateralmente
tendo a ver com a substância da crítica.
Posso
objectivamente confirmar que, pelo menos desde o dia de hoje (24 de Fevereiro
de 2012), o Orçamento Municipal para 2012 consta do sítio da autarquia. Admito,
sem reservas, que aí se encontre desde o dia 1/02/2012, como esclarece o Sr.
Presidente da Câmara. Acontece porém que na página aberta seguindo os links figueiradigital.com/cmff/finanças
municipais/documentos financeiros , e nela fazendo “scroll down”, surgem de facto links para os documentos previsionais
de 2007 a 2011; mas não o de 2012, como seria de esperar e natural que também surgisse.
Este
aparece, isso sim, meio escondido, no cantinho superior direito da mesma
página. Se lá estava desde o passado dia 1 de Fevereiro, passou-me despercebido
e da compreensível falta de atenção, cumpre-me apresentar as minhas desculpas.
Sobre este meu lapso, creio que bastaria um singelo esclarecimento por parte
dos serviços camarários, sem autoritária e descabida invocação da Lei de
Imprensa.
Passo
agora à parte mais substantiva da minha crónica, e que aparentemente mais terá
indignado o Sr. Presidente da Câmara.
Com
ela tive sobretudo em vista opinar sobre a existência de algum nexo causal entre a reiterada prática de sobre
estimar irrealisticamente a receita orçamental , com a consequente e recorrente
verificação de graus de execução orçamental ridiculamente baixos, por um lado, e
a acumulação de dívida a fornecedores e empreiteiros, por outro.
Não
me referi à existência de desrespeito da letra da Lei nas estimativas dos orçamentos
camarários. Referi-me, isso sim, ao facto da sobre estimativa delirante das
receitas estar ao arrepio daquilo que se costuma designar por boas práticas na
preparação de qualquer documento previsional, em obediência a princípios de
prudência, realismo e bom senso. Tratou-se de um juízo político, num contexto
de avaliação e debate políticos que a democracia permite. Tomá-lo como
comportando ofensa ao bom nome da autarquia e dos seus representantes…meu
Deus…é atitude que me dispenso de classificar.
De
resto, a crítica era também extensiva aos executivos camarários anteriores.
Como assinalei, a estimativa da receita global para 2012, é a mais baixa e a
menos irrealista dos últimos13 anos. Mas nem por isso merecedora de aplauso,
por estar ainda longe do que mandariam a prudência e o bom senso.
Onde
maior falta de realismo se tem observado, não é na estimativa da receita
corrente, mas sim na de capital, sobretudo na rubrica agregada de “Vendas de
bens de investimento”. No Orçamento para 2010, a previsão desta receita foi de
26,79 milhões de Euros (ME). Cobrou-se um montante residual de 0,26 ME. Para
2011, foram previstos 22,92 ME. Iremos saber dentro de pouco tempo, espero,
quanto efectivamente foi cobrado nesta rubrica. Claro que o baixo nível
realizado se deve também, em parte, à actual grave situação da conjuntura
económica. Mas é justamente com esta que se tem de contar quando se fazem
previsões e se preparam instrumentos de gestão destinados a, durante o ano, orientar
as opções de fazer esta ou aquela encomenda, esta ou aquela transferência, esta
ou aquela adjudicação.
Acaso
se imagina o Estado português a preparar orçamentos resultando em graus de
execução da ordem dos 40 a 50%? Seria o descrédito completo da República,
porventura alvo de galhofa generalizada pelos nossos parceiros europeus. Já
teríamos sido expulsos do Euro há muito tempo.
O
Sr. Presidente da Câmara acredita que em 2012 irá arrecadar um total de receita
de 51,6 ME, para poder despender outro tanto. Iremos ver. Para 2010, a previsão
foi de 68,08 ME, mas só 31,8 ME foram arrecadados. Para 2011, tinha fé de que
iria ter uma receita total de 70,3 ME. Já deve estar apurado o montante cobrado.
Seria útil divulgá-lo. Lá para Abril se saberá quanto foi. Voltarei então ao
tema.
Uma
nova nota de rodapé…
Tenho
uma dúvida para esclarecer. A Camara Municipal, está também a cumprir a Lei, no
tocante à divulgação, no seu site, das actas das reuniões camarárias ? Tanto
quanto posso verificar, dele não consta qualquer acta, desde 29/Março/2011 até
13/Setº/2011, bem como desde 4/Outº/2011 até final do ano. Estão arrumadinhas
noutro local, ou não houve reuniões camarárias naqueles períodos?
MALEFÍCIOS DAS
BAIXAS TAXAS DE
EXECUÇÃO ORÇAMENTAL
(publicado no semanário “O Figueirense”
de 17.Fevº.2012)
O
montante global do Orçamento Municipal da Figueira da Foz para 2012 é de 51,2
milhões de Euros (ME). É o mais baixo dos últimos 14 anos. Melhor dizendo, é o
menos irrealista e o de menor delírio ficcionista desde 1999. Ainda assim,
mantem uma elevada escala de ficção quanto à receita que se prevê cobrar (quer
corrente, quer sobretudo de capital e total), que é uma vez mais largamente sobre-
estimada. Desta vez, menos que nos anos anteriores, é certo; mas ainda assim muito
longe de prestar razoável obediência à boa prática de preparar previsões
orçamentais realistas, sensatas, equilibradas, sem excluir uma prudente dose de
coeficiente de ambição. Mas que deverá sempre ter em conta a envolvente
económica externa ao município.
Não tendo
sido ainda divulgado o valor da receita cobrada na execução orçamental de 2011,
aquela previsão de 51,2 ME pode e deve ser comparada com as receitas realmente
cobradas nos exercícios de 2009 e 2010 (despidas das cobranças realizadas
através de empréstimos bancários), e que foram de 34,6 ME e de 30,5 ME,
respectivamente.
Um
espírito com um mínimo de sensatez interrogar-se-á como será isto possível.
Num ano
em que o Estado estaria em pre-falência, não fora o dinheiro emprestado por via
da chamada troika, de gravíssima
crise financeira, e de enorme retracção da economia real, quem poderá acreditar
que o Município da Figueira irá cobrar uma receita 57 % superior à média dos anos de 2009 e 2010 ? Um
tal milagre económico, a ter lugar, mereceria ser considerado como um autêntico
“caso de estudo”, porventura candidato a
um
prémio Nobel da Economia.
Ao
longo dos últimos anos, a prática reiterada de preparar orçamentos como meros
exercícios de faz de conta, delirantes, sem adesão à crua realidade, foi
largamente responsável pelo descontrolado crescimento da dívida municipal, até
ser atingida a sua actual monstruosa escala. Na última década, a taxa média de
execução do orçamento municipal da Figueira situou-se em 56,4 %, variando entre
um mínimo de 46,7% em 2010 (de resto já da inteira responsabilidade do actual
executivo camarário) e um máximo de 78,1 % em 2002.
Um
orçamento, seja de uma família, de uma empresa, de um município, ou de um estado,
é um instrumento disciplinador dos compromissos e das aquisições que ao longo
do exercício se podem ir realizando. Deixando de ser considerado como tal, a
gestão e a execução financeira do dia a dia passa a fazer-se sem a existência
de uma carta de navegação credível.
Daí
até serem assumidos compromissos de despesas futuras (que obviamente têm
cabimento orçamental pois a receita foi sobre -estimada), mas que mais tarde a
tesouraria não consegue acompanhar, vai um pequeno passo. A solução adoptada
para colmatar essa carência de tesouraria, vai passar necessariamente por adiar os pagamentos, contrair calotes aos
fornecedores e empreiteiros, e ir acumulando dívida.
É
verdade que tal prática tem sido generalizadamente observada num elevado número
de municípios portugueses. O que não serve de consolo, pois como soe dizer-se,
com o mal dos outros podemos nós bem.
Para
o exercício de 2010, taxas de execução orçamental bem piores que a da Figueira
foram, por exemplo, a de Aveiro (36,2%) e a de Porto Santo (36,1%). Valores tão
aberrantes que quase se diriam do foro psiquiátrico. Não será por mero acaso
que, no final daquele ano, o Município de Aveiro tivesse uma dívida a curto
prazo de 64,1 ME (2,5 vezes superior à da Figueira); ou que o Município de
Porto Santo tivesse um prazo médio de pagamento a fornecedores de 1228 dias!...
Em
matéria de taxa de execução-cumprimento do orçamento em 2010, desempenhos muito
melhores que o do Município da Figueira, foram por exemplo o de Viana do
Castelo (70,5%), o de Viseu (79,3%),ou de Cantanhede (72,4%). As dívidas a
fornecedores destas três autarquias eram, no final do mesmo ano, de 9,9 ME, 5,9
ME e 6,9 ME, respectivamente. Montantes face aos quais a dívida a fornecedores
do Município da Figueira, à mesma data
(25,7 ME) compara de forma nada lisonjeira.
Também
não será por acaso que o Município de Pombal, com uma taxa de execução de 84,3%,
tivesse uma dívida de apenas 3,3 ME; ou que o de Almada, com uma taxa de 95,4 %
tivesse uma dívida de 3,2 ME, praticamente irrisória se tivermos em conta a sua dimensão
populacional e a sua capacidade de realização de receitas próprias.
Nota
A
Lei determina que os documentos de gestão financeira dos municípios têm de
estar disponíveis nos respectivos sítios da Internet.
O
orçamento municipal da Figueira para 2012 foi aprovado há cerca de mês e meio.
A
Câmara da Figueira ainda não o colocou no seu site. A Câmara da Figueira não
está por isso a cumprir a Lei. É feio.
domingo, julho 15, 2012
Bons exemplos de transparência na vida
política
(publicado no semanário “O Figueirense”
de 10.Fevereiro.2012)
Com
uns quantos cliques, através do rato do meu computador, navegando por alguns
sites
parlamentares,
pude tomar conhecimento de uma série de exemplos de boas práticas de
transparência da vida política.
Não
será demais insistir quanto tal transparência é necessária (embora não
suficiente…) para credibilizar a via política, e para deter a preocupante queda
do prestígio dos governantes, da actividade parlamentar e até do próprio regime
democrático.
Vejamos
então uma meia dúzia desses bons exemplos de que tomei conhecimento.
Na
declaração de bens e rendimentos do actual Chefe de Governo, pode ler-se que
teve no ano passado um total de remunerações líquidas de 98225 euros, tendo
pago 87651 euros de IRS.É proprietário, por exemplo, de um apartamento em
Pontevedra, um outro em Madrid, e ainda outro nas Canárias. Tem 313780 euros
aplicados em fundos de investimento, e 143182 euros em acções cotadas em bolsa.
Por
sua vez, o líder do Partido Socialista, na oposição, pagou 23826 de IRS, é
proprietário de meio apartamento, com 135 metros quadrados e um valor cadastral
de 215225 euros, e tem 397653 euros aplicados em fundos de investimento.
O
Presidente do Parlamento tinha no final do ano passado no seu património, duas
vivendas em Soria, uma quinta em Cidade Real e 193678 euros investidos em
fundos de pensões.
Sobre
um anterior Primeiro-Ministro, pude saber, de entre muitas outras coisas, que
participou numa conferência internacional em Pequim, para onde viajou com o
patrocínio de um instituto chinês, tendo este pago a estadia e a viagem, num
valor global correspondente a 13400 euros.
Também
encontrei casos curiosos. Como o de um membro do Parlamento que refere na sua
declaração ter cobrado um total de 7033 euros pela sua participação em sete
debates numa estação de televisão. Ou outro, ainda mais curioso, de um deputado
que faz questão de fazer constar na listagem de prendas oferecidas por uma
empresa privada, a de dois bilhetes para as finais de um grande torneio de
ténis, no valor total de 1200 euros.
O
Chefe de Governo, o líder do Partido Socialista, e o Presidente do Parlamento a
que acima me refiro, não são da República Portuguesa, não senhor. São, isso
sim, da muito vizinha Espanha.
O
deputado que não se esqueceu de referir a oferta dos dois bilhetes para as
finais de ténis de Winbledon, é da Câmara dos Comuns, e não da Assembleia da
República.
A
visita a Pequim que custou 13400 euros, foi a de um ex-Primeiro Ministro de sua
Majestade britânica. A estação de televisão onde um membro do Parlamento, de
resto britânico e não português, participou em sete debates foi a BBC e não a
SIC Notícias, pela qual, por exemplo, os deputados João Semedo e Luís Fazenda
(Bloco de Esquerda) e Telmo Correia (do
CDS-PP) dizem ser remunerados, todavia não declarando por quanto. O deputado
José Lello também costuma ser comentador numa outra televisão concorrente, mas
esse nem se dá ao trabalho de lhe fazer uma simples menção na sua declaração de
interesses.
Comparem-se
agora aquelas boas práticas, a que almas mais sensíveis e mais receosas da
transparência poderão classificar de horrível voyerismo, vigentes em Espanha e na
Grã-Bretanha,
permitindo um escrutínio mais rigoroso por parte dos cidadãos, com as adoptadas
em Portugal.
Por
cá, as informações sobre rendimentos, patrimónios e registos de interesses
constantes das páginas dos deputados são vagas, pouco menos que irrelevantes e anódinas.
Se o portuga cidadão quiser saber mais, e exercer o seu dever-direito ao
escrutínio dos actores da vida política, terá de ter a pachorra de se deslocar
ao Tribunal Constitucional, em Lisboa, fazer um requerimento, declarar porque
razões tem interesse na consulta, demonstrar as razões e contextos da pesquisa,
aguardar um tempo, pedir respeitosamente deferimento, tomar umas notas escritas
por punho próprio.
Para
melhor se compreender a escala da referida comparação, valerá a pena navegar um
pouco pelos sites da Assembleia da República (parlamento.pt), do Congreso de
Deputados (congresso.es) e da Câmara dos Comuns (parliament.uk). E tirem-se
depois as devidas conclusões.