segunda-feira, julho 16, 2012
MALEFÍCIOS DAS
BAIXAS TAXAS DE
EXECUÇÃO ORÇAMENTAL
(publicado no semanário “O Figueirense”
de 17.Fevº.2012)
O
montante global do Orçamento Municipal da Figueira da Foz para 2012 é de 51,2
milhões de Euros (ME). É o mais baixo dos últimos 14 anos. Melhor dizendo, é o
menos irrealista e o de menor delírio ficcionista desde 1999. Ainda assim,
mantem uma elevada escala de ficção quanto à receita que se prevê cobrar (quer
corrente, quer sobretudo de capital e total), que é uma vez mais largamente sobre-
estimada. Desta vez, menos que nos anos anteriores, é certo; mas ainda assim muito
longe de prestar razoável obediência à boa prática de preparar previsões
orçamentais realistas, sensatas, equilibradas, sem excluir uma prudente dose de
coeficiente de ambição. Mas que deverá sempre ter em conta a envolvente
económica externa ao município.
Não tendo
sido ainda divulgado o valor da receita cobrada na execução orçamental de 2011,
aquela previsão de 51,2 ME pode e deve ser comparada com as receitas realmente
cobradas nos exercícios de 2009 e 2010 (despidas das cobranças realizadas
através de empréstimos bancários), e que foram de 34,6 ME e de 30,5 ME,
respectivamente.
Um
espírito com um mínimo de sensatez interrogar-se-á como será isto possível.
Num ano
em que o Estado estaria em pre-falência, não fora o dinheiro emprestado por via
da chamada troika, de gravíssima
crise financeira, e de enorme retracção da economia real, quem poderá acreditar
que o Município da Figueira irá cobrar uma receita 57 % superior à média dos anos de 2009 e 2010 ? Um
tal milagre económico, a ter lugar, mereceria ser considerado como um autêntico
“caso de estudo”, porventura candidato a
um
prémio Nobel da Economia.
Ao
longo dos últimos anos, a prática reiterada de preparar orçamentos como meros
exercícios de faz de conta, delirantes, sem adesão à crua realidade, foi
largamente responsável pelo descontrolado crescimento da dívida municipal, até
ser atingida a sua actual monstruosa escala. Na última década, a taxa média de
execução do orçamento municipal da Figueira situou-se em 56,4 %, variando entre
um mínimo de 46,7% em 2010 (de resto já da inteira responsabilidade do actual
executivo camarário) e um máximo de 78,1 % em 2002.
Um
orçamento, seja de uma família, de uma empresa, de um município, ou de um estado,
é um instrumento disciplinador dos compromissos e das aquisições que ao longo
do exercício se podem ir realizando. Deixando de ser considerado como tal, a
gestão e a execução financeira do dia a dia passa a fazer-se sem a existência
de uma carta de navegação credível.
Daí
até serem assumidos compromissos de despesas futuras (que obviamente têm
cabimento orçamental pois a receita foi sobre -estimada), mas que mais tarde a
tesouraria não consegue acompanhar, vai um pequeno passo. A solução adoptada
para colmatar essa carência de tesouraria, vai passar necessariamente por adiar os pagamentos, contrair calotes aos
fornecedores e empreiteiros, e ir acumulando dívida.
É
verdade que tal prática tem sido generalizadamente observada num elevado número
de municípios portugueses. O que não serve de consolo, pois como soe dizer-se,
com o mal dos outros podemos nós bem.
Para
o exercício de 2010, taxas de execução orçamental bem piores que a da Figueira
foram, por exemplo, a de Aveiro (36,2%) e a de Porto Santo (36,1%). Valores tão
aberrantes que quase se diriam do foro psiquiátrico. Não será por mero acaso
que, no final daquele ano, o Município de Aveiro tivesse uma dívida a curto
prazo de 64,1 ME (2,5 vezes superior à da Figueira); ou que o Município de
Porto Santo tivesse um prazo médio de pagamento a fornecedores de 1228 dias!...
Em
matéria de taxa de execução-cumprimento do orçamento em 2010, desempenhos muito
melhores que o do Município da Figueira, foram por exemplo o de Viana do
Castelo (70,5%), o de Viseu (79,3%),ou de Cantanhede (72,4%). As dívidas a
fornecedores destas três autarquias eram, no final do mesmo ano, de 9,9 ME, 5,9
ME e 6,9 ME, respectivamente. Montantes face aos quais a dívida a fornecedores
do Município da Figueira, à mesma data
(25,7 ME) compara de forma nada lisonjeira.
Também
não será por acaso que o Município de Pombal, com uma taxa de execução de 84,3%,
tivesse uma dívida de apenas 3,3 ME; ou que o de Almada, com uma taxa de 95,4 %
tivesse uma dívida de 3,2 ME, praticamente irrisória se tivermos em conta a sua dimensão
populacional e a sua capacidade de realização de receitas próprias.
Nota
A
Lei determina que os documentos de gestão financeira dos municípios têm de
estar disponíveis nos respectivos sítios da Internet.
O
orçamento municipal da Figueira para 2012 foi aprovado há cerca de mês e meio.
A
Câmara da Figueira ainda não o colocou no seu site. A Câmara da Figueira não
está por isso a cumprir a Lei. É feio.