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terça-feira, outubro 19, 2010

O PLANO DE SANEAMENTO FINANCEIRO - 2

A Lei das Finanças Locais (LFL-Lei 2/2007) trata, no seu artigo 40º, da chamada “ situação de desequilíbrio financeiro conjuntural” de um município. Não define porém o que se pode entender como tal. Define-o depois o decreto-lei 38/2008, no número 3 do seu artigo 3º.
Considera assim que há fundamento para um município poder ser declarado na referida situação caso se verifique uma só de 4 condições. Uma delas, por exemplo, é a existência de dívidas a fornecedores superior a 40% das receitas totais do ano anterior.
No caso do Município da Figueira da Foz (MFF) e da gestão directa da Câmara Municipal :
- o montante das receitas totais de 2009 foi de 45,9 milhões de Euros (ME) ;
- o montante da dívida a fornecedores em 31 de Dezembro de 2009 era de 33,3 ME.

Como 40% * 45,9 = 18,4 e como este valor é inferior a 33,3, está assim verificada uma das tais 4 condições. Tanto basta para permitir que o MFF, através dos seus órgãos de governação, se possa declarar em “situação de desequilíbrio financeiro conjuntural” . E que, por consequência, possa/deva contrair um empréstimo para “saneamento financeiro”.
Todavia, a legislação é clara quanto a uma ressalva: o empréstimo tem em vista (isto é, destina-se …) a reprogramação da dívida e a consolidação de passivos financeiros.
Assim sendo, a dívida a curto prazo (a fornecedores….) é consolidada, isto é transformada em dívida à banca, que é quem tem por missão emprestar dinheiro. No balanço global, a dívida total não sofrerá acréscimo. Poderá, isso sim, aumentar o serviço da dívida, mesmo que haja um período de carência para as amortizações.

O montante da dívida no final de 2009 (33,3 ME) incluirá seguramente as dívidas que à data já tinham tido tratamento contabilístico.
O anexo 1 do Relatório do plano contem “um balancete das dívidas a terceiros em 30 de Junho de 2010 “, do qual se extrai que, na mesma data, o total da dívida a fornecedores ascendia a 30,4 ME. Ora de duas uma :
- ou este valor inclui todas as dívidas que em 30 de Junho hajam tido já tratamento contabilístico, e pode ser comparado directamente com os 33,3 ME referentes á divida no final de 2009 ;
- ou no valor de 30,4 ME estarão tão somente incluídas as dívidas tituladas por facturas com mais de 60 dias (Nota 1) (Nota 2)

Na primeira hipótese, ter-se-ia verificado, no 1º semestre de 2010, uma espectacular redução de quase 3 ME na dívida a fornecedores, merecedora de inequívoco aplauso.
Na segunda, será encontrada fundamentação bastante para o valor previsto do empréstimo a pedir, com atracagem na legislação aplicável referida (30,4 ME não se afasta muito dos 31 ME anunciados para o empréstimo).

De qualquer forma, o empréstimo a contrair deverá cobrir, tão somente, o valor das dívidas
a fornecedores, já vencidas (Nota 3) . Preparar um plano de “saneamento financeiro” com um montante de empréstimo superior àquele, deverá sujeitar esse plano a chumbo no Tribunal de Contas.

Segundo depreendo do espírito e da letra da legislação referida, nomeadamente do artigo 40º da LFL, o empréstimo não poderá ser usado para realizar ou alavancar investimentos adicionais (emparceirando ou não com verbas do QREN) para além dos que sejam normalmente viabilizados pela soma do eventual superavit da execução orçamental corrente e das receitas de capital disponíveis.
Afigura-se-me que, obtido o valor do empréstimo, quando este chegar à Tesouraria municipal, ele terá forçosamente de ir direitinho para as contas dos fornecedores credores.

Por isso, o ser concretizado ou não o empréstimo, nada tem a ver com o existir ou não existir dinheiro para o desempenho corrente das missões do Município. Nem com o perigo de faltar pagamento das remunerações dos funcionários (ameaças que parece terem sido acenadas…) , nem com a paralisação ou realização de investimentos, ainda que sejam para satisfazer compromissos assumidos.

A menos que, obtido o empréstimo, e pagando com ele a integralidade do que se deve, se pretenda depois ir atrasando de novo os pagamentos aos fornecedores, assim se ganhando folga extra e “almofada” para lançar obras novas. Algumas de fantasia, e de mera cosmética urbanística, como por exemplo a “requalificação da envolvente do Forte de Stº Catarina e do futuro porto de recreio” e “ a requalificação das instalações do Clube Náutico”. Ou para lançar obras sem nenhum retorno visível a médio prazo, como serão, por exemplo, uma chamada” Componente Empresarial associada à ZAL da Figueira da Foz”, a parceria com uma empresa privada da hotelaria para um hotel de charme em Maiorca, e o Parque Desportivo de Buarcos.
Tratar-se-ia então de uma desvirtuação grave do espírito e da letra do artigo 40º da LFL.

Importa ganhar a consciência de que não vai haver dinheiro para isso, e ponto final . A festa acabou mesmo. Pelo menos por alguns anos ; oremos para que não sejam muitos.

Nota 1
Seria de presumir que fosse este o caso, pois na página 24 do Relatório, remetendo para o anexo 1, se refere :
“(…) o detalhe de todas as dívidas a fornecedores existentes em 30 de Junho de 2010, estando vencidas e por liquidar, serão alvo de imediata liquidação após aprovação do empréstimo de consolidação financeira(…) “.

Nota 2
Se for este efectivamente o caso, importaria conhecer também o valor da dívida que no final de Junho de 2010 poderá servir de comparação com o valor de 33,3 ME registado no final de 2009.
O executivo camarário tem a elementar obrigação (mesmo que não haja nenhuma imposição legal que o obrigue) de facultar aos órgãos municipais e aos munícipes, o resultado da execução orçamental do 1º semestre de 2010.

Nota 3
Ninguém esperará que a conta de “dívidas a fornecedores” tenha saldo zero. Terá sempre um saldo pelo menos igual ao montante das facturas ainda não vencidas, isto é daquelas para as quais ainda não decorreram 60 dias contados a partir da sua data.
Assim a frio, adianto o “palpite” de que tal montante deverá andar entre 4 e 5 ME, para o nível actual de despesa total da execução orçamental da CMFF. De assinalar que a dívida a fornecedores andava pelos 3,5 ME nos finais dos anos de 1995 a 1997, para um nível de despesa total da ordem dos 20 a 23 ME.

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