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domingo, setembro 05, 2010

DÚVIDAS METÓDICAS

E se, conhecido o desfecho do processo Casa Pia, estivessemos, de facto, perante um caso semelhante ao do affaire Dreyfus que rachou ao meio a sociedade francesa no final do século XIX ? O qual constituiu um escandaloso erro judiciário provocado pelo mecanismo de uma “cascata de mentiras e de erros” . Erra-se e mente-se a primeira vez ; e depois torna a mentir-se para esconder o primeiro erro e a primeira mentira ; a seguir, vem a tornar-se necessária nova mentira para esconder as anteriores. E assim sucessivamente. Chegados a certo ponto, torna-se impossivel corrigir ou admitir as mentiras já acumulados. É um ponto de não retorno. Este, a fazer-se, iria desencadear a desgraça dos autores ou alimentadores da primeira mentira.

Vem-me também à memória a narrativa das atribulações de Zacarias d’ Almeida, um português enredado, sem saber como ou porquê, numa situação de confusão de identidades numa rua de Bruxelas, ficcionada em “Uma aventura inquietante”, um estimulante romance policial de José Rodrigues Migueis ( um grande vulto da literatura portuguesa contemporânea, injustamente meio esquecido ). Um livro cuja leitura recomendo vivamente.

O conhecimento de alguns detalhes da forma como o processo de prova decorreu, e que agora começam aparentemente a ser revelados (apesar de merecerem ainda contraditório, que espero surja..), desperta no meu espírito a dúvida metódica com que faço sempre questão de avaliar as histórias mal contadas que frequentemente os media portugueses (são estes que se movem pelo meu quotidiano...) usam para intoxicarem a opinião pública, com o propósito de provocarem o aumento das vendas ou dos sharings de audiência. E tantas vezes velhacamente alimentados por agentes de um desacreditado sistema de justiça, ávidos de protagonismo mediático e ressabiados por não lhes darem o poder e a importância que julgam merecer.
O despertar dessa dúvida metódica veio a ser reforçado pela leitura do artigo de opinião que Ricardo Sá Fernandes, advogado de Carlos Cruz, escreve no PUBLICO, e de que transcrevo o seguinte excerto :

“(...)
E se não for assim? E se estes homens - Cruz, Abrantes, Dibiz, Ritto e Marçal - são inocentes ? E se Carlos Cruz, como sempre tem sustentado, não conhece os outros arguidos, nem as vítimas, nem os supostos locais de abuso ? E se a condenação foi feita sem outra prova que não as declarações dos acusadores, as quais se revelam contraditórias, incongruentes, não plausíveis e manifestamente efabulatórias ? E se este processo é, afinal, uma terrível fantasia, consciente ou inconsciente, eventualmente perversa, de alguns jovens adolescentes efectivamente abusados por outros que não estes que estão a ser julgados, por parte dos quais, aliás, já identificados nos autos e até condenados noutros processos?
Se assim for, isso significa que a vida de Carlos Cruz e de outros homens foi destruida sem fundamento, sendo eles, então, vítimas da mais vil das perseguições, meros bodes expiatórios de uma culpa de outros que lhes destroçou a familia e a alegria de viver.
Se assim for, isso quer dizer que o cerimonial de sexta-feira não é mais do que a adaptação ao século XXI de um grandioso auto-de-fé, daqueles que até ao século XVIII os juizes do Santo Ofício ofereciam ao povo (...) “

Dir-se-à que quem assim escreve está, compreensivelmente, a desempenhar a sua missão profissional, defendendo denodamente o seu constituinte com todos os meios que lhe são proporcionados pela capacidade dele próprio, e de Carlos Cruz, em se movimentarem nos media . O que é verdade. Mas isso não impede que se pare um pouco numa reflexão, deixando afluir ao espírito o são, sábio e prudente exercício da dúvida metódica.

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