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segunda-feira, janeiro 19, 2009

FIGUEIRA DA FOZ, ANOS OITENTA

João Gonçalves é o autor do blogue Portugal dos Pequeninos. Este tem em geral um tom pessimista, quase derrotista, mal humorado, e com um registo sempre muito avinagrado. Mas tem também um estilo literário de grande qualidade , muito ao jeito inconfundível de Vasco Pulido Valente.
A propósito do recente trágico falecimento da jornalista e editora Teresa Coelho, natural da Figueira da Foz, João Gonçalves escreveu este belo e sentido poste, no qual faz referencia a um texto por si publicado em Julho de 2006, por altura da morte de José Vieira Marques, o “pai” do Festival de Cinema da Figueira da Foz. Um curtíssimo ensaio, igualmente de superior qualidade literária, sobre o tempo de Setembro dos anos oitenta na Figueira da Foz, um pouco impregnado da nostalgia dos “amigos de Alex “...
Vale a pena reproduzi-lo na íntegra, com a devida vénia.


Era no princípio dos anos oitenta. Dois colegas da Católica, levaram-me até ao Festival de Cinema da Figueira da Foz. Um, nessa altura, tinha umas vagas pretensões literárias - na realidade, entretinha-se a imitar o Hemingway - e o outro, mais modesto, apenas gostava de cinema. Ficámos os três alojados numa miserável residencial, no mesmo quarto e com uma casa de banho infecta. Nesse ano, o filme "sensação" era "Francisca", de Manoel de Oliveira, e o "grande prémio" foi entregue à película francesa "Diva", a surpresa do Festival. Voltei no ano seguinte. Outras companhias, outros quartos. Em dez dias, devo ter visto para lá de sessenta filmes. Calhou, até, apesar da "tenra" idade, "ver" - premonitoriamente - aquilo que viria a ser a minha não-vida daí em diante. Desses tempos singulares, recordo sobretudo o meu atravessar do gigantesco areal da praia da Figueira, manhã cedo, até ao café em frente do Casino, depois de noites e noites inverosímeis. Aí, um dia, encontrei o Eduardo Prado Coelho a engraxar os sapatos e a preparar-se para ir até à gráfica onde a sua tese estava a ser impressa. Arrastava-me, depois, para toda e qualquer sala da cidade onde passasse um filme de um realizador obscuro, para fugir às minhas companhias e de mim próprio. Em pleno processo de afundamento, o saudoso Herlander Peyroteo levou-me a almoçar a Buarcos. Houve ainda tempo para um jantar melancólico, num restaurante indiano (comida detestável), em que acabei sozinho, com a garrafa de vinho, depois de ter conseguido proferir a palavra mágica. Passaram vinte e quatro anos. Os dois colegas da Católica são hoje garbosos advogados da nossa praça. A companhia luminosa e funesta do ano seguinte é economista numa multinacional e tem dois filhos adolescentes. O Prado Coelho anda por aí e o Peyroteo já desapareceu. A Figueira desses dias também. Lembrei-me disto tudo porque li no jornal que tinha morrido o "pai" do Festival, o José Vieira Marques. Os outros moveram-se. Aliás, tudo se moveu para nunca mais. "Nunca escrevi, julgando escrever, nunca amei, julgando amar, nunca fiz mais do que esperar", escreveu algures outra "heroína" do Festival, Marguerite Duras. Apesar dos vinte e quatro anos decorridos, continuo sentado no mesmo banco de pedra da marginal, em frente ao Grande Hotel da Figueira, a olhar para o mar. À espera.

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