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quarta-feira, setembro 03, 2008

O ARQUIPÉLAGO ZATO

Destaco o excelente artigo de Helena Matos no PUBLICO de ontem, do qual transcrevo os seguintes excertos :


(...) o arquipélago ZATO era a rede de cidades secretas onde a defunta URSS desenvolvia a sua tecnologia nuclear. Oficialmente o arquipélago ZATO não existia. Logo muito menos existiam problemas em ZATO.
(...)
Cada cidade tem o seu arquipélago ZATO com a respectiva rede de cidades fechadas e temas tabu. O nosso é constituido por este emaranhado de preconceitos ideológicos em torno do crime. À semelhança do que sucedia no ZATO original, também aqui as crises colocam em causa a seriedade dos números. Estes não medem a realidade. Constroem-na. Daí a actual discussão em torno do número de queixas. Quem já tentou apresentar uma queixa por agressão ou roubo sabe bem como os números estão longe de corresponder à realidade : o principal objectivo do agente que preenche os formulários indispensáveis à apresentação da queixa é explicar que aquilo não leva a nada. Aliás, um dos sinais evidentes da degradação das forças policiais é esta crescente vocação para amanuenses dos agentes. Atrás dum balcão ninguém os sova nem processa e se forem bem sucedidos ainda conseguem demover uma parte significativa dos potenciais queixosos. "


Também eu posso dar testemunho de uma visita recente ao arquipélago ZATO portuga.
Aqui há uns 2 ou 3 meses, o meu apartamento foi assaltado. Em plena luz do dia, entre as 11:30 e as 12:30 de um dia de semana, com arrombamento da porta fechada à chave, aparentemente com um pé de cabra. Os assaltantes não levaram praticamente nada . Umas notas antigas de pesetas, francos e marcos e pouco mais. Procuravam joias, ouro e dinheiro mais graudo. Devem ter sentido uma grande frustração, coitados dos pobres assaltantes, decerto umas vítimas desta injusta sociedade capitalista e do neo-liberalismo que por aí campeia de forma desenfreada. Deixaram todavia revolvido e despejado tudo quanto eram gavetas. O suficiente para eu ficar assustado. A primeira preocupação, imediata ao assalto, foi garantir nova e melhor fechadura na porta, e sossegar o reboliço que se levantou junto dos vizinhos.
Cerca das 18:30 fui então à PSP local. Espero junto de um pequeno cubiculo, enquanto vou olhando para um mapa antigo e amarelecido das estradas de Portugal pregado na parede . Deveria ter já muitos e muitos anos, a avaliar pela reduzida rede de autoestradas que dele constava. O senhor graduado de serviço estava no bar da esquadra a tomar um café. Se não me importasse, que esperasse um bocadinho. Chega um senhor graduado da PSP, de volumoso ventre. Não faz rondas nem caminha a pé há muitos anos, pensei com os meus botões. Lá me manda sentar, enquanto ele se pranta do outro lado da mesa, diante a um computador. Ao que vinha. Lá disse: o meu apartamento fora assaltado. Levaram alguma coisa de valor?. Respondi que quase nada. O senhor esta cheio de sorte, retorquiu com ar bonacheirão. Então diga lá ; e eu contei a história. Perguntou-me se era queixa que queria apresentar. Porque se era queixa, sublinhou com ênfase, ela depois seguirá para o Ministério Público e eu seria chamado depois para prestar mais declarações ; ou, se nada fosse descoberto, para ser provavelmente informado que o processo havia sido arquivado por não ter sido descoberta a identidade dos assaltantes.

[ Lembrei-me de um roubo de um aparelho de rádio de uma viatura minha, aqui há uns bons 20 anos. Para efeitos de seguro, apresentei queixa numa esquadra da PSP. Passados uns 3 meses, recebi uma convocatória, pelo correio, intimando-me a comparecer na secretaria do Tribunal no dia tantos de tal às tantas horas. Lá chegado, o funcionário queria saber se eu já tinha descoberto alguma coisa, e se suspeitava de alguem. Perplexo, respondi não às duas perguntas. Passados mais 4 meses, sou de novo intimado por escrito para comparecer às tantas horas na Secretaria Judicial . Foi para ser informado que nada havia sido descoberto, e que portanto o excelentíssimo delegado do Ministério Público havia determinado a arquivação do processo. Sorri com bonomia, encolhi os ombros e fui para o trabalho, que já perdera uma hora do mesmo...]

Com esta história na lembrança, respondi ao senhor graduado da PSP que não senhor, não queria apresentar queixa. Livra!...Eu sabia bem que não ia dar em nada. O que eu queria, frisei bem, era deixar registo do assalto, para efeitos estatísticos. Não fossem um senhor ministro ou o senhor primeiro ministro virem vangloriar-se, um dia destes, que a criminalidade tinha baixado pois o número de assaltos registados junto das autoridades policiais haviam diminuido de não sei quantos muitos por cento....E que portanto estava tudo bem, o governo era o melhor que Portugal tinha tido, e que merecia ganhar as eleições. O senhor graduado concordou e começou a escrever os dados no computador à sua frente. Nada mau...pensei. Ainda há pouco tempo, a coisa metia uma velha máquina de escrever, impresso próprio de formato A4, modelo xtpo, com umas 4 cópias e outras três folhas de escuro papel químico pelo meio.
Lá fui informando o nome, filiação, residência, número do bilhete de identidade, enfim, a liturgia habitual . O senhor graduado ia digitando as letras, no teclado do computador, unicamente com o indicador da mão direita, enquanto deitava frequentes e prolongados olhares ao monitor do PC, acompanhados de pequenas expressões como “enter”, e repetições das palavras ou números que paulatinamente ia escrevendo.
Nada adiantei para a estatísticas das queixas, porque queixa realmente não apresentei. Não sei se ter simplesmente comunicado ou denunciado o assalto fez movimentar algumas estatísticas oficiais desta nossa ZATO lusitana. Possivelmente não. Mas pelo menos tal não terá sido por completa omissão minha.

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