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segunda-feira, julho 21, 2008

ARGUIDOS OU ACUSADOS

O sistema judicial português andava e anda desde há muito de rastos. Hoje ficou atolado na lama. O Estado português vai sair disto com uma imagem muito má.
O Ministério Público decidiu retirar o estatuto de arguido a Roberto Murat e ao casal Mccan. O caso do primeiro afigura-se ainda mais escandaloso. Estava considerado arguido desde há mais de um ano.
O arquivamento foi justificado por “ não se terem obtido provas de práticas de qualquer crime por parte dos arguidos”. Ao comum dos mortais, desprovidos, como nós, coitados, da complexa ciência dos grandes mestres de direito portuga, ocorrerá perguntar : então se não foram obtidas provas de prática de crimes, porque lhes foi atribuido o estatuto, a etiqueta, o laibeu de “arguidos”. ?

Gostaria de saber quem foi a sumidade jurídica portuga que inventou o conceito e a palavra arguido, aplicada ao mesmo. Quando foi do climax do caso Maddie, verificou-se que nem os jornalistas ingleses nem os espanhois tinham equivalente palavra na respectiva língua. Por isso, na sua falta, usavam a palavra portuguesa, pronunciada à sua maneira. Nem tão pouco percebiam muito bem o conceito.
Em inglês existe a palavra “accused” ; em francês, “ accusé” ; em espanhol “acusado”. Mas accused, accusé, ou acusado, é alguem que vai ou está a responder já em tribunal. Um pouco o antigamente designado por réu, palavra maldita, retirada do léxico judicial , por meio da aplicação das típicas mariquices do politicamente correcto portuga. E que poderia tambem ser designado por acusado, em alternativa.
Arguido, em Portugal, será alguém de quem a polícia e o MP tem uma leve suspeita de terem cometido um crime. Assim uma espécie de suspeito a título preliminar-que-depois-se-vê-se arranjamos-provas....E o que é mais bizarro, é que quando um cidadão é acusado e lhe é marcado julgamento em tribunal, continua a ser designado como arguido. Ou seja : arguido tanto é o suspeito-a-título-preliminar, como é o cidadão de quem o Ministério Público já considerou haver provas suficientes para levar a tribunal. Já não se chama réu ; nem acusado, para distinguir do arguido-suspeito-a-título-preliminar; mas simplesmente arguido.
De onde decorre uma confusão diabólica na mente dos cidadãos em geral. Mas a cultura jurídica e o sistema judicial portugas gostam do confuso, do complicado, de grandes embrulhadas processuais, de muitos prazos pra isto e prà aquilo, de subtilezas semânticas, de sentenças e de doutos acordãos com muitas e muitas páginas e repletas de muita palha, com muitos pareceres, muitas citações, por vezes em latim para parecer bem...

É a justiça que temos. A precisar de um grande abanão, de uma grande reviravolta. De uma revolução, se quiserem. Não vamos lá com o actual Ministro da Justica, o qual já revelou à saciedade ser uma verdadeira nódoa.
Que, como dizia o consagrado Eça do governo da época, só se retira com terebentina...



A figura do arguido destrói a presunção de inocência. Através deste apetrecho jurídico, as autoridades colocam um carimbo de culpa antecipada nas pessoas. No fundo, a lei portuguesa diz o seguinte aos arguidos : “ olhem, meus caros, eu acho que vocês são culpados, mas ainda não tenho provas nesse sentido ; em todo o caso, vou já avisar a sociedade de que vocês não são de confiança” . Dispara primeiro, investiga-se depois. Nos países civilizads, as pessoas são inocentes até prova em contrário. Em Portugal, as pessoas são culpadas até prova em contrário. Dizem-me que a figura do arguido é – em teoria – um formalismo destinado a dar mais direitos aos indivíduos ( ex: o arguido tem o direito de manter o silêncio). Mas, na prática, esta figura jurídica retira direitos, visto que impõe um selo de suspeição que demora uma eternidade a ser removido .
( Henrique Raposo, in EXPRESSO de 5.Julho.2008)

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