quinta-feira, fevereiro 01, 2007
DESPEDIDA E MEMÓRIA
Fui hoje despedir-me do Cerqueira da Rocha.
Vai para 40 anos, estava eu na Figueira da Foz havia poucos meses, conheci o Cerqueira da Rocha na livraria Havaneza, onde ambos adquiríamos o “Nouvel Observateur”, que a dona Maria Helena nos guardava, muitas vezes em local reservado do interior, bem fora do expositor de jornais e revistas junto da porta.
Ali nos encontravamos com frequência, aos sábados de manhã, para um pouco de cavaqueira e maledicência política, comentando as últimas novidades nacionais e locais, que a censura zelosamente cortava da imprensa.
Por vezes, juntavam-se a nós o Dr. Álvaro Malafaia e o Dr. Adelino Mesquita, num curioso convívio entre gerações distintas.
Fui hoje despedir-me do Cerqueira da Rocha.
Vai para 40 anos, estava eu na Figueira da Foz havia poucos meses, conheci o Cerqueira da Rocha na livraria Havaneza, onde ambos adquiríamos o “Nouvel Observateur”, que a dona Maria Helena nos guardava, muitas vezes em local reservado do interior, bem fora do expositor de jornais e revistas junto da porta.
Ali nos encontravamos com frequência, aos sábados de manhã, para um pouco de cavaqueira e maledicência política, comentando as últimas novidades nacionais e locais, que a censura zelosamente cortava da imprensa.
Por vezes, juntavam-se a nós o Dr. Álvaro Malafaia e o Dr. Adelino Mesquita, num curioso convívio entre gerações distintas.
Foi numa noite dos finais de 1968 que entrei pela primeira vez no seu antigo escritório, num 1º andar da Praça Nova.
Florescia levemente então a curta primavera marcelista, e previam-se eleições para a Assembleia Nacional, em Outubro de 1969.
Como no resto do país, a oposição democrática figueirense começava a mexer-se.
Um primeiro plenário de oposicionistas ao Estado Novo fora, mais ou menos sigilosamente, convocada para o seu escritório.
Quando entrei na sala, mal iluminada e com uma atmsfera de fumo de cortar à faca, usava da palavra o Dr. Rafael Sampaio, numa das suas longas, e para mim ainda desconhecidas, dissertações. No final da reunião, o Cerqueira da Rocha apresentava-me a um grande número de pessoas presentes que ainda não conhecia.
A partir mais do meio do ano de 1969, com o aproximar das ilusórias eleições, passamos a conversar e a conviver, se não todos os dias, pelo menos dia sim dia não, até porque a sua casa de então distava da minha uns cem metros.
Já próximo do dia do acto eleitoral, juntos participámos activamente na preparação de uma meia dúzia de “plenários concelhios” da oposição democrática local.
Como por vezes era muita gente, e para evitar problemas mais graves com a polícia, metade das pessoas reuniam no seu escritório enquanto a outra metade reunia em minha casa, que habitava desde há pouco tempo.
Por telefone, e mais ou menos em linguagem cifrada, ou através de senhas, por causa das escutas, íamos mantendo contacto e trocando informações sobre o desenrolar das reuniões.
No dia das eleições, o Cerqueira da Rocha assumiu o papel de delegado da lista da CDE ( Comissão Democrática Eleitoral) na única mesa eleitoral de S.Julião, no rés do chão dos Paços do Concelho.
Contados os votos, e fazendo recurso ao seu jeito tribunício, repousado mas firme, requereu a impugnação do acto eleitoral ( requerimento obviamente indeferido...) , alegando, com toda a legitimidade, que as listas das candidaturas da União Nacional ( o partido único) e da CDE se podiam distinguir à distância, ou através de um leve toque dos dedos sobre as mesmas, o que era rigorosamente verdade.
Chegou mesmo a desafiar o Presidente da Mesa, homem da União Nacional, para que este lhe mostrasse uma lista dobrada, e logo ele ali diria a que candidatura ela pertencia. Mas de nada valeu o desafio, pois ficou sem resposta.
Pelos anos adiante, e até à sua recente partida, mantivemos sempre uma cordial e cúmplice amizade
Curvo-me, comovido e saudoso, perante a sua memória.