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terça-feira, janeiro 16, 2007

LÍNGUA, ESTRUTURA MENTAL E ESTRUTURA SOCIAL

Entre umas limpezas e umas arrumações domésticas, dei com uma colectânea de ensaios do ilustre professor Luís Lindley Cintra, num pequeno volume com o título “Sobre Formas de Tratamento na Língua Portuguesa”, editado e lido com encantamento no ano de 1972.
O primeiro ensaio é a reprodução de uma conferência dada pelo Prof. Lindley Cintra no Centro Nacional de Cultura, em Maio de 1966.
Destaco dele três pequenos trechos muito elucidativos.


“É bem conhecida a estranheza que causa ao falante de outra língua moderna europeia a complexidade do sistema de tratamento em português – isto é, das formas que, em Portugal, um interlocutor usa para se dirigir a outro interlocutor (...)”

E cita depois uma obra sobre o tema, de uns autores ingleses, publicada em 1961.


“ À parte as dificuldades de pronúncia, dois obstáculos principais para o principiante (na aprendizagem do português) são a gramática complexa, especialmente no que se refere aos verbos, e a forma de tratamento antiquada, quase oriental.
A primeira coisa que se deseja fazer com uma língua é falar com as pessoas.
Mas, em Portugal, uma pessoa está sujeita a ser interpelada de quatro ou mesmo cinco modos diferentes e a cada um desses modos está associado um grau diverso de intimidade ou de respeito, cada um deles fixa firmemente o tipo de relação entre a pessoa interpelada e a pessoa que se lhe dirige
.”


Mais adiante, escreve de sua lavra o Prof.Lindley Cintra :

“O sistema português (...) parece ligar-se intimamente, por um lado, a uma sociedade fortemente hierarquizada ; por outro, a um certo comprazimento, a um certo gosto na própria hierarquização e na matização estilística ou, talvez, a uma dificuldade inconsciente ou subconsciente em aceitar uma nivelação maior realizada através de um processo semelhante ou pelo menos paralelo ao que conduziu, no Brasil, a um sistema dual, devido à expansão do você pelo terreno da intimidade, com prejuizo do tu, hoje moribundo(...)”

E no final do ensaio, conclui :

“Ora, se pensarmos que não são só os indivíduos e a sociedade em que se organizam que agem sobre a língua que falam, e que por isso mesmo os reflecte em algumas das suas características, mas que a própria estrutura da língua herdada ou aprendida pode moldar, e molda muitas vezes, a maneira de ver o mundo dos indivíduos que a empregam, creio que não irei longe de mais ao tentar extrair algumas consequências práticas (...).

Várias das tendências que apontei merecem aceitação e franco apoio : o repúdio definitivo de V.Exª, uma expansão decidida do emprego do tu, a eliminação de diferenças entre tratamentos nominais que assentam em diferenças de níveis sociais, longe de constituirem um empobrecimento da língua – ou ainda que o constituam – seriam sem dúvida uma útil contribuição linguística para a tão necessária reforma de certos aspectos da estrutura mental e da organização social dos Portugueses “

Passaram 40 anos . Ocorreu entretanto o processo revolucionário sequente ao 25 de Abril de 1974.
Mudou radicalmente a organização política ; nem tanto a organização social dos Portugueses.
Mas até hoje mudou muito pouco a sua estrutura mental, e consequentemente, mudaram muito pouco as formas de tratamento.
Ou, na perspectiva dialética do Prof. Lindley Cintra, como as formas de tratamento quase nada mudaram, tambem muito pouco mudou a estrutura mental.

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