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segunda-feira, abril 04, 2005

LEGISLAR À PORTUGUESA

À boa maneira do terceiro mundo, em Portugal legisla-se em grande abundância. Em geral de forma prolixa, com muita palha pelo meio, e em requintado politiquês.
No entanto, cumpre-se sempre muito pouco do muito que se legisla.
Há domínios onde esta incoerência chega a atingir a escala do anedótico.
O domínio da legislação ambiental é um deles. Talvez porque sobre ele costumem perorar jovens e diletantes licenciados em Ambiente, sem experiência profissional obtida sobre o terreno, e sem outra formação para além da bebida nos meios académicos .
E talvez por isso muito propensos a serem fácil e provincianamente seduzidos por legislação muito modernaça e muito “pra-frentex” que vão lendo, por vezes com superficialidade, nalguma bibliografia estrangeira, para depois prepararem legislação teórica , transcrita em jeito de “copy-paste”, e com soluções directamente transferidas de países mais desenvolvidos e sobretudo muito mais ricos do que o nosso.
Fazendo-nos fingir de ricos em país pobre. Mas fazendo-nos também ficar com legislação ao nível do melhor que se publica por esse Mundo fora...
Depois, na prática, a excelente legislação não se cumpre. Não faz mal. O legislador fica de consciência tranquila e de bem com a sua auto estima académica.

Vou dar um exemplo, dos mais reinadios que conheço.

Com data de 22 de Fevereiro de 1994 ( há mais de 10 anos!...) , foi publicado o Decreto-Lei nº 47/94, que pretendia estabelecer o regime económico e financeiro da utilização do domínio público hídrico.
No prolixo preâmbulo, depois de um longo parágrafo com uma só frase e com mais de 100 palavras, podem ler-se estas sábias afirmações:

Torna-se igualmente imprescindível atribuir-se um valor (preço) justo ao recurso, em função do significado que realmente tem a sua utilização.
O presente diploma consagra inequivocamente o princípio de que qualquer utilização do domínio hídrico precisa de ser autorizada e paga
(...) “

O artigo 5º indicava como se calcularia a taxa de utilização de captação de água, segundo a fórmula :
T = A x K
sendo
T = valor da taxa , em escudos
A = volume de água, em m3
K = valor final de cada m3 de água, em escudos/m3

Segundo o mesmo diploma, o valor de K seria determinado de acordo com parâmetros e critérios fixados no seu anexo ; a sua variação anual seria fixada por resolução do Conselho de Ministros.
No tal anexo, indicava-se uma sofisticada fórmula para calcular o valor de K :

K = Co x C1 x C2 x C3

Co era um valor básico de cada m3 de água, que seria fixado em cada ano por Portaria do Ministro do Ambiente.
C1 , C2 e C3 eram coeficientes, respectivamente de natureza sectorial , de disponibilidade e de intensidade. Podiam ser iguais a 0,5 , 1,0 ou 1,5 , conforme critérios fixados com bastante dose de subjectivismo.

A Ministra do Ambiente em funções teve então que fixar o valor do coeficiente Co para o ano de 1995.
Mas 1995 era ano de eleições.
Bem...sendo assim, pela Portaria 134/95 , de 29 de Abril, fixou em zero escudos o valor de Co para 1995.
E como zero vezes qualquer número é igual a zero, resultou daí que o valor de K ( valor de cada m3 de água) era também igual a zero.

Assim ficou até hoje.Nunca mais , depois disso, se tornou a publicar Portaria semelhante .
E assim, o preço da agua continua a ser zero, embora se continuem a ouvir belos discursos sobre o princípio do utilizador pagador e do poluidor pagador.

Entretanto, nunca tendo sido revogado, continua em vigor o belo Decreto-Lei nº 47/94 .
Mas não é cumprido, obviamente.
Ao que sei, só será oficialmente revogado pelo Decreto Lei que aprovará a Lei Quadro da Água, transpondo para a legislação nacional a Directiva Quadro da União Europeia.
Transposição que, segundo esta Directiva, já deveria ter sido feita até 22 de Dezembro de 2003!...
E é assim que se legisla em Portugal...

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